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Chef Vincent Farges
Como a cozinha de Vincent Farges no EPUR assenta na sazonalidade e nos produtos da época, estas alturas de transição entre estações são particularmente interessantes e enriquecedoras, pois permitem-nos ter à mesa em simultâneo os produtos e os sabores não apenas de uma estação – como seria suposto – mas de duas!
Ou seja, ao mesmo tempo, ainda temos verão… mas também já temos outono!
Com efeito, no mesmo almoço, Vincent Farges serviu o estival tomate – que, curiosamente nessa manhã também ainda tínhamos encontrado na banca da Quinta do Poial, no Mercado Biológico do Príncipe Real – mas apresentou igualmente os outonais cogumelos, a abóbora, o dióspiro e até a trufa negra!
De modo que nestes momentos de transição – paradoxalmente – o chavão de “só usar o produto da época”, que à primeira vista pode parecer muito redutor, também significa (quem diria?) usar o produto… de duas épocas distintas!
O que abre imensas possibilidades aos cozinheiros!
E valoriza muito mais a nossa experiência!
Permitindo-nos ter à mesa, simultaneamente, as novidades da temporada… e também o nostálgico regresso a uma época que, no calendário, já passou há muitas semanas!
‘Gravitação Degustativa’ – A experiência que Vincent Farges nos propõe no seu EPUR.
1.º Amuse-Bouche – Beterraba, maionese fumada e anchova. Conjunto fresco e avinagrado, com o sabor da anchova bem marcado.
2.º Amuse-Bouche – A untuosidade do bacalhau confitado em azeite… cortada pela acidez do daikon e da cebola-roxa acidulados, pela crocância da batata, pela frescura do molho de salsa e pelo picante das folhas de mizuna.
3.º Amuse-Bouche – Oca glaceada em manteiga noisette, tendo, no topo, spring onions, chalotas e cebolinho, trabalhadas com tutano, e, ao lado, uma poderosa e anisada emulsão de ‘hoja santa’!
Pão – Trigo, centeio e sem glúten, todos feitos pela chefe de pastelaria do EPUR.
Azeite – Azeite virgem extra Magna Olea, de Trás-os-Montes, produzido com azeitonas maioritariamente da variedade Cobrançosa, provenientes de oliveiras centenárias.
Manteiga – Rainha do Pico, dos Açores.
Tomate | Framboesa | Jalapeño – O primeiro dos quatro momentos do nosso menu. Na base, um suculento tomate-coração-de-boi à temperatura ambiente, extremamente bem temperado, nomeadamente com ‘pimenta’ de Espelette e flor de sal! Por cima, framboesas não apenas inteiras mas também em pó, amêndoas torradas laminadas e um refrescante sorbet de jalapeño e pepino! Sendo finalizada com um coulis de tomate e vinagre de Moscatel. Um conjunto muito bem temperado! Untuoso, acidulado, adocicado! De facto, depois de no ano passado ter apresentado, num copo, um aveludado gaspacho completamente transparente e cristalino, mais um grande prato de tomate de Vincent Farges!
Peixe do dia | Cépes | Kombu | Salicórnia – Lírio, em dois registos: o lombo, marcado no ‘sauté’; e o generoso fígado, absolutamente maravilhoso, temperado com azeite e flor de sal! Estufado de cogumelos ‘cèpes’, alga kombu e lardo caseiro, numa calda de presunto velho! Um ‘jus’ de dashi, com muito umami! Uma salada de salicórnia! E, no topo, ralada, muxama feita no EPUR! Extraordinário o contraste entre a delicadeza do lírio e a fortíssima intensidade de sabores, claramente outonais, do estufado!
Porco | Couve | Melanosporum – Porco Alentejano de Castro Marim, somente marcado no ‘sauté’ em manteiga ‘noisette’ e extremamente saboroso! No topo, chalota e trufa negra, um condimento brutal! Ao lado, um croquete de carne de porco desfiada, acabado de fritar, com couve-lombarda ligeiramente acidulada no topo. E duas quenelles de couve-lombarda, lardo caseiro e batata. Sendo finalizado na mesa com o ‘jus’ de assar o porco!
Pré-Sobremesa – Clementina glaceada numa calda de citrinos. Bolo de abóbora e cenoura com avelã. E um creme glacé de lima, com o floral licor de Gentiane, do Loire. Muito mais do que uma pré-sobremesa, verdadeiramente é já uma primeira sobremesa! Herbal! Doce! Cítrica!
Dióspiro | Chioggia | Sésamo – Sentida homenagem de Vincent Farges ao seu falecido amigo Guillaume Salvan, é uma recriação muito fiel da sobremesa que o Chef do LA FALAISE tinha apresentado na Rota das Estrelas de 2012, na FORTALEZA DO GUINCHO. Tem dióspiro glaceado em borras de Moscatel; beterraba Chioggia em diversas texturas, incluindo num sorbet; uma ‘terra’ de sementes de sésamo e um praliné líquido de sésamo negro; um cremoso de cogumelos ‘cèpes’; e ainda um merengue com cogumelos Trombeta da Morte em pó. Uma sobremesa já outonal, num registo agradavelmente pouco doce e em que sobressaem as notas terrosas. Mas que é muito mais do que uma mera homenagem ao falecido Chef Guillaume Salvan. É também uma forma de Vincent Farges nos relembrar que, há já imensos anos, o seu universo é o das estrelas Michelin! E mais ainda aqui no seu EPUR, onde tem agora total liberdade para desenvolver, do princípio ao fim, uma cozinha com muito maior identidade e com uma personalidade bastante mais vincada! Claro que o guia dará os pratos e as estrelas que bem entender. Mas quem vai ao EPUR sabe que, com Vincent Farges, terá uma experiência de nível Michelin! De facto, há já muitos anos que… ‘Vincent é Michelin’!
Espumante Hibernus Premier Millésime Brut 2017 (dégorgement agosto 2019) – Do projeto familiar de José Carvalheira, enólogo das Caves São João, um jovem espumante, bastante fresco e versátil, que nos acompanhou muito bem ao longo de todo o almoço.
Pós-sobremesa – Como sempre no EPUR de Vincent Farges, as mignardises vêm acompanhadas de fruta, também da época! Desta vez, com o café, temos figo e manga. Bem como (outro clássico) uma madalena, hoje de laranja! E, por fim, claro, chocolate – sablé breton de chocolate, ganache de chocolate com cardamomo e, no topo, chocolate temperado!
Miguel Morais e Vincent Farges – A sala, a grande aliada da cozinha. Muito obrigado ao Miguel por nos explicar tão bem os pratos, sempre com imensa calma e tranquilidade!
As vistas do EPUR – O EPUR, no topo da colina, é um restaurante luminoso, onde vale bem a pena ir ao almoço. Ou então chegar antes do pôr do sol!
Fotografias: Marta Felino e Raul Lufinha
Ver também:
EPUR
Largo da Academia Nacional de Belas Artes, 14, R/C, Lisboa, Portugal
Chef Vincent Farges
Hugo Brito e o subchefe Gonçalo Garcia
No BOI-CAVALO, do chef Hugo Brito, em Alfama, não há carta – apenas um menu de degustação surpresa, em permanente evolução e que é sempre muito desafiante!
Tendo sido mais um excelente jantar à BOI-CAVALO!
É sempre tão bom voltar!
Boa broa de milho caseira, feita igualmente com um pouco de espelta, chegando à mesa ainda quente e acompanhada de manteiga de vaca da ilha do Pico com pimenta verde.
Gaspacho de tremoço, com ‘alcaparronas’ fritas, cebola frita e azeite de espinafres – tépido, denso, acidulado, untuoso, crocante, muito bom!
Gyoza de alho assado no forno, com sementes de abóbora, creme de cebola encarnada, cebolo e ainda, já na mesa, um sumo de ameixa levemente doce e acidulado, servido à temperatura ambiente, e que corta o lado mais especiado e picante deste prato vegan!
Arroz de cabidela, saborosíssimo, coelho do campo salteado, pó de sementes de girassol e o toque crocante de uma folha de videira em tempura! Excelente!
Escolar dos Açores a lascar, tomatada feita com tomate-coração-de-boi e uma cítrica emulsão de limão assado no forno!
Entretanto, chegou o chef Hugo Brito, em trânsito dos Açores, onde esteve a cozinhar.
Um provocador prato de carne! É um híbrido, entre o ‘popover’ e o ‘Yorkshire pudding’! Não doce mas salgado! E com um toque levemente amargo, porque no leite com que é feito esteve nabo a macerar! Sendo recheado com molejas grelhadas, folhas de coentro vietnamita e muxama! E depois finalizado com um apurado ‘demi-glace’! Sabores intensos e sedutores!
Grande orgulho de Hugo Brito, é um prato 100% do subchefe Gonçalo Garcia: panqueca de manjericão, um absolutamente extraordinário toffee de cebola e um gelado de romã, feito com o sumo reduzido, para não levar açúcar! Excelente!
Bolo de arroz, recheado com geleia de salva e polvilhado com açúcar de café verde em pó e sal fumado! Sendo acompanhado por um viciante creme de ovo e ananás assado no forno!
Para finalizar, areias caseiras de limão fumado. E também um shot de medronho... que nos traz à memória o clássico brandy com que terminam todas as refeições no ELEVEN MADISON PARK.
Alfama.
Fotografias: Marta Felino e Raul Lufinha
Ver também:
BOI-CAVALO
Rua do Vigário, 70-B, Alfama, Lisboa, Portugal
Chef Hugo Brito
Vincent Farges na sala do EPUR
A muito aguardada abertura do EPUR é seguramente um dos acontecimentos gastronómicos do ano de 2018.
Marcando o regresso de Vincent Varges ao seu celebrado registo fine dining, depois de ter deixado a FORTALEZA DO GUINCHO em 2015.
Porém, agora o chef francês está em nome próprio.
O que faz toda a diferença.
Com efeito, aqui tudo tem o seu dedo.
Começando, desde logo, pela localização – o restaurante fica no Largo da Academia Nacional de Belas Artes, ao Chiado, bem no centro de Lisboa, com uma deslumbrante vista para o Castelo e para o Tejo.
Passando pela decoração – minimalista, despretensiosa, muito elegante, atenta ao detalhe.
E também pelas equipas.
Quer a de cozinha.
Quer a de sala, chefiada com elegância e discrição por Teresa Grilo (ex-FEITORIA) e tendo como sommelier Ivo Peralta, antigo escanção da FORTALEZA DO GUINCHO.
Mas o que é mais marcante no EPUR é mesmo a cozinha de Vincent Farges.
Com o chef francês completamente focado no conceito da depuração.
Depuração de sabores.
Depuração de elementos.
Depuração de tudo o que não é essencial.
De modo a brilhar ainda mais o sabor de cada um pratos.
E sempre com uma enorme leveza.
Para o EPUR, Vincent Farges cria, assim, toda uma nova linguagem.
E também um formato de refeição em que não existe uma carta.
Há apenas menus de degustação.
Sendo, porém, dada ao cliente a possibilidade de participar no desenho da sua experiência.
Com efeito, o modelo do EPUR é muito dinâmico e versátil.
E está inclusivamente pensado para permitir que sucessivas visitas sejam sempre novas experiências.
Nesta noite, a nossa escolha foi o menu de 6 momentos – mas existem também de 3, 4 e 8, para além da Mesa do Chef à quarta-feira e da Carta Branca para menus à medida.
PAPILLES
(o nome que Vincent Farges dá aos 'snacks' ou 'amuse-bouches')
Ceviche Vegetal | Fresco e ácido “ceviche vegetal” de melão, aloé vera e aipo, com o toque salgado das salicórnias, que Vincent Farges serve à temperatura ambiente e em que o delicioso caldo – com yuzu e gengibre – é intenso, cítrico e picante!
Milho / Kombu / Porco | Extraordinário snack de Vincent Farges, para comer à colher e de uma só vez! Na base, a alga kombu, levemente avinagrada. Por cima, uma saborosíssima mousse de milho, temperada com tandoori mas que sabia mesmo a milho. E, no topo, um crocante de orelha de porco!
Tomate / Estragão / Pão de Azeite | O momento que melhor simboliza a depuração de Vincent Farges. É um gaspacho! Mas surge transparente e cristalino! E com uma textura muito aveludada! Está muito aromático e tem imenso sabor, conjugando doçura e acidez com notas picantes! E com o estragão muito presente. Sendo acompanhado por um pão de azeite levemente estaladiço, com tomate concassé (ou seja, ao qual foi retirada a pele e as sementes) e com uma emulsão de jalapeños. Brilhante!
COUVERT
Pão, azeite e Manteiga | Depuração também no couvert. Três bons pães, feitos no EPUR pela chefe de pastelaria – sem glúten, centeio (cortado mais fino) e trigo. Azeite virgem extra Magna Olea, de Trás-os-Montes, produzido maioritariamente com azeitonas da variedade Cobrançosa. E a manteiga açoriana Rainha do Pico.
ÁGUA
Xeréu / Pepino-Shiso / Legumes acidulados | O primeiro momento propriamente dito do jantar. Muita elegância e delicadeza, imenso sabor! O peixe, marinado em pimentos e com pimenta de Espelette. O velouté, de pepino e shiso. E diversos apontamentos, muito delicados, incluindo um pouco de kiwi bem maduro! Muito bom!
TERRA
Coelho / Pera / Cogumelos / Brioche | Pleno de influências francesas, o segundo momento consistiu numa extraordinária entrada com rillettes de coelho, mousse de foie gras, salada de cogumelos pleurotos e pera fumada, fatiada e também num puré. Sendo o conjunto acompanhado por um pequeno e fresquíssimo pão brioche, levemente untuoso e muito estaladiço. Excelente!
HORTA
Alcachofra / Curgete / Aioli | Notável composição vegetariana em que brilham os sabores da alcachofra... e da azeitona!
MAR
Peixe-Galo / Alcaçuz / Bivalves | Um prato quente, que Vincent Farges constrói em três camadas. Na base, bivalves, nomeadamente amêijoas e taralhão. Depois, peixe-galo assado. E, no topo, búzios laminados, chalotas, rabanetes e plantas halófitas. Sendo finalizado com uma envolvente nage de bivalves e tomilho-limão!
ESPUMANTE
Espumante Hibernus Premier Millésime Brut 2016 | Do projeto familiar de José Carvalheira, enólogo das Caves São João que há dias reencontrámos em Nelas na prova do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão, um espumante fresco e jovem, criado a partir das castas Bical, Maria Gomes, Chardonnay, Arinto e Baga, que nos acompanhou muito bem até ao primeiro prato de peixe.
MAR
Salmonete / Feijão Pandeirim / Royal de Ouriços e Camarão | Sabores mais fortes no segundo prato de peixe. Para acompanhar o salmonete braseado, uma tão elegante quanto apurada feijoada de gambas e, ainda, a frescura de uma salada de funcho. Igualmente notável estava o poderoso molho, feito com as cabeças e com os fígados do salmonete. Excelente!
RECORDAÇÕES
Pombo / Figos / Aipo | Para o prato de carne, Vincent Farges optou pela secção “Recordações”, ou seja, por uma homenagem às suas raízes. Peito de pombo assado, perna de pombo confitada, figo glaceado em caril, tartine dos miúdos do pombo, puré de figo fumado e ainda um saboroso jus. Tão bom!
VINHO TINTO
Alto do Joa tinto 2014 | Complexo vinho de Trás-os-Montes, produzido a partir de uvas provenientes de vinhas centenárias e com mais de vinte diferentes castas – ótima sugestão a copo de Ivo Peralta.
ENTRE’ACT
(com Vincent Farges não há 'limpa-palatos' ou 'pré-sobremesas')
Jubilé Frutos Vermelhos / Sorbet de Iogurte | Na transição para sabores mais doces, um interessante jogo de temperaturas de Vincent Farges, que junta num mesmo momento dois mundos muito diferentes: o frio do congelador e o calor do forno. Com efeito, sobre um jubilé de frutos vermelhos – que esta noite era de amoras, mas vai variando conforme a disponibilidade e a evolução da estação – Vincent Farges apresenta um refrescante sorbet de iogurte… acompanhado, num piscar de olho à pastelaria francesa, por um delicioso financier de mel!
CHOCOLATE
Chocolate / Sarraceno / Parfait Glacée Whisky | Extraordinária sobremesa de chocolate de Vincent Farges, com todos os elementos muito bem definidos! Tarte e mousse de chocolate 72%. Parfait glacée de whisky Balvenie 12 anos. Creme glacé de trigo-sarraceno. Crocante de caramelo com flor de sal. Excelente!
VINHO DO PORTO
Ivo Peralta | O escanção do EPUR.
Quinta de Roriz Porto Vintage 2000 | Complexo, muito elegante, com frescura e ainda com bastante fruta preta madura, grande sugestão do sommelier Ivo Peralta.
AFTER SWEETS
(expressão que Vicent Farges prefere em vez de 'mignardises' ou 'petits fours', até porque não serve apenas doces)
Fruta e Chocolate | Framboesas e ameixas Rainha Cláudia. E dois deliciosos momentos de chocolate – um sablé de chocolate, cremoso de gianduja e toranja no topo; e um bombom de chocolate negro com matcha e gel de yuzu.
CHAMPAGNE
Champagne Louis Roederer Brut Premier | Para terminar, como é habitual quando se celebra um dia especial no EPUR, um brinde final. Que foi à nossa particular comemoração desta noite! E também ao EPUR e à sua equipa – Vincent Farges está a desenvolver um trabalho notável em Lisboa!
Fotografias: Marta Felino e Raul Lufinha
Ver também:
Largo da Academia Nacional de Belas Artes, 14, R/C, Lisboa, Portugal
Chef Vincent Farges
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