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Massimo Bottura na OSTERIA FRANCESCANA em 2016
A OSTERIA FRANCESCANA de Massimo Bottura, na cidade italiana de Modena, recuperou em 2018 o título de melhor restaurante do mundo que já havia conquistado em 2016 – o ano passado, com a vitória do ELEVEN MADISON PARK, tinha descido para o segundo lugar.
Ver também:
Via Stella, 22, Modena, Itália
Chef Massimo Bottura
Massimo Bottura
2016 foi o ano da consagração para Massimo Bottura!
Em Junho, o chef italiano viu finalmente a sua OSTERIA FRANCESCANA ascender ao primeiro lugar da lista dos 50 melhores restaurantes do mundo.
Polémico e não-consensual, criativo e inovador, rebelde e provocador, racional e emocional, Massimo Bottura entende e vive a cozinha como uma arte, como uma forma de expressão, como uma manifestação cultural – tal como sucede com a pintura e as artes plásticas, a música e a fotografia, o cinema e a literatura.
Colocando-se a si próprio ao nível de um Picasso, de um Jimi Hendrix, de um Basquiat, de um Damien Hirst…
Daí ser essa a linguagem que lhe serve de inspiração para subverter a tradição da cozinha italiana e criar autênticas obras de arte intemporais!
Pratos maravilhosos, absolutamente extraordinários e deliciosos enquanto comida que, acima de tudo, também são – mas que depois servem ainda para Massimo Bottura contar uma história, exprimir uma ideia, fazer uma brincadeira…
Aqui ficando uma recordação da visita do Mesa do Chef à OSTERIA FRANCESCANA neste mês de dezembro e com Massimo Bottura no restaurante.
Na sala | O emblemático jogo de luzes da OSTERIA FRANCESCANA. E apenas doze mesas, divididas por três salas.
Carta de vinhos | Modena é a cidade dos ‘fast cars’ e da ‘slow food’. Pelo que Massimo Bottura resolveu abrir a carta de vinhos… com uma célebre frase de Enzo Ferrari.
Pão quente e azeite | Uma mensagem ‘ideológica’ de Massimo Bottura. O chef italiano faz sempre muita questão de acentuar que não cozinha com manteiga! Sendo depois por isso que também não a serve no ‘couvert’ – aliás, ‘coperto’, que estamos em Itália!
Fish & Chips | É verdadeiramente o primeiro momento da refeição. Mas não é um snack – os snacks só virão depois. Este é um emblemático prato ‘bite size’ de Massimo Bottura, que atualmente abre o menu ‘Festina Lenta’. E que, no menu de degustação ainda mais longo do que o ‘Festina Lenta’ mas sem nome próprio, o chef italiano serve de surpresa e extra-menu antes dos próprios snacks! É para marcar o tom de tudo aquilo que se vai passar a seguir! Sendo uma provocação de Massimo Bottura começar por transformar um clássico italiano num símbolo… do fast food! E também um exemplo do multiculturalismo e da ‘contaminação cultural’ que o chef italiano deliberadamente procura para a sua cozinha. Criações que lhe permitem depois ser compreendido a nível global! Pelo que, para a sua elegante e deliciosa versão do fish & chips, Massimo Bottura apresenta uma base crocante de aula – um peixe local, de rio – e um gelado (salgado) de Carpione, uma tradicional marinada avinagrada italiana feita com cebola, vinagre, sal e açúcar. Chamando-se o prato singelamente ‘Tempura of aula with carpione sorbet’. Parece porém uma sobremesa. Mas sabe a… fish & chips!
Massimo Bottura | Na sala, o chef italiano explicou os ‘snacks’ da OSTERIA FRANCESCANA, aos quais gosta de chamar ‘starters’.
Três snacks | Uma levíssima almofada de bacalhau salgado e tomate / Um macaron de coelho, cujo recheio é uma deliciosa mousse de ‘Coelho à Caçador’ / E uma generosa chip de Parmigiano Reggiano.
Novos pães | Entretanto surgem duas novas qualidades de pão: grissini; e uma chapata acabada de cozer, com sabor fumado, para continuar a saborear o azeite da Toscana.
Tribute to Normandy | É o primeiro momento do menu de degustação mais longo da OSTERIA FRANCESCANA. E é também mais um jogo de Massimo Bottura! Com efeito, olhamos e vemos uma ostra. E pensamos que vamos comer uma ostra. Mas, quando efetivamente a provamos, verificamos que é afinal… um tártaro de cordeiro! A ostra está antes… na emulsão! Existindo ainda um granizado de maçã-verde, algas marinhas, ervas aromáticas e umas gotas de menta.
Lentils are better than caviar | Grande momento de Massimo Bottura! Numa caixa de caviar, pequenas lentilhas negras – também chamadas ‘beluga’ por fazerem lembrar as ovas de esturjão – cozinhadas num caldo de enguias. Que escondem por baixo um cremoso borscht feito com beterraba e com as famosas cebolas roxas italianas de Tropea, bem como com crème fraîche de endro. Incrivelmente delicioso!
Mediterranean sole | A OSTERIA FRANCESCANA também é feita de lendas. Contam os empregados que Massimo Bottura não se conseguia decidir sobre qual a melhor forma de cozinhar o linguado. Pelo que resolveu juntar num único prato as quatro maneiras de o fazer: ‘alla mugnaia’ (ou, como dizem os franceses, “à la meunière”), com imenso limão; ‘al cartoccio’, ou seja, em papelote; ao sal; e ainda grelhado. Tendo depois por cima um ‘papel’ comestível que na verdade é… água do mar desidratada! Excecional!
Monkfish ravioli with monkfish liver and rabbit ‘a la cacciatora’ filtered sauces | Três ravioli com recheio de fígado de tamboril, molho de ‘Coelho à Caçador’ (o mesmo sabor do macaron do snack) e farrapos de pão torrado para dar uma textura crocante.
Autumn Ceviche in Modena | Mais uma provocação de Massimo Bottura. Com efeito, o prato é anunciado como sendo um Ceviche, um Ceviche de outono em Modena, um Ceviche preparado com aquilo que Modena tem no outono. Mas, como Modena fica no interior e não tem mar nem peixe… o chef italiano faz um ‘ceviche’ marinando num caldo frio de lima, coentros e pimenta… produtos da estação como cogumelos secos, arruda, abrótano, abóbora, tupinambo, castanhas assadas…! Juntando depois um creme de cogumelos. E cobrindo tudo com um ar de Ceviche autêntico e verdadeiro! Extraordinário o sabor! E com uma surpreendente e interessantíssima temperatura de serviço – um prato que não é frio, como um ceviche; nem quente, como habitualmente são apresentados aqueles produtos de outono; apenas tépido!
Five ages of Parmigiano Reggiano in different textures and temperatures | Uma criação absolutamente genial! Para muitos, a obra-prima de Massimo Bottura! É inacreditável como um prato com o sabor de um único ingrediente – o queijo Parmesão – consegue ser tão intenso, tão profundo, tão complexo, tão estimulante! Com efeito, Massimo Bouttura apresenta unicamente queijo Parmigiano Reggiano, mas em cinco diferentes momentos de maturação, cada um deles com a sua textura e com a sua temperatura! E com o seu sabor! Descodificando: 1) Na base, um creme de Parmigiano Reggiano de 24 meses; 2) À direita, um ‘demi-soufflé’ de Parmigiano Reggiano com 30 meses de cura; 3) À esquerda, uma espuma de Parmigiano Reggiano com 36 meses de maturação; 4) Ao centro, uma bolacha crocante de queijo Parmigiano Reggiano com 40 meses de cura; 5) E por fim, no topo, um ar de Parmigiano Reggiano com uns inacreditáveis 50 meses de maturação! Só com este prato Massimo Bottura já mereceria ser considerado o melhor do mundo! Maravilhoso! Mas, como Massimo Bottura gosta serenamente de dizer, este prato é… «apenas Parmigiano Reggiano e tempo!»
The crunchy part of the lasagna | Um prato emocional! E mais outro ‘signature dish’ de Massimo Bottura! Representando o sonho de qualquer criança italiana (e não só!) de comer os cantos crocantes da lasagna…! Os quais o jovem Massimo também disputava arduamente com os irmãos! Sendo uma saborosíssima lasagna construída em três partes: na base, carne de porco e de vaca, cozinhadas a baixa temperatura, com tutano; por cima, extremamente cremoso, molho béchamel feito com Parmigiano Reggiano (!); e no topo a pasta tricolor, qual bandeira de Itália, incrivelmente estaladiça! Absolutamente inesquecível! Depois disto, uma lasagna nunca mais será a mesma!
Sometimes mallard, sometimes partridge and even bollito | Mais uma vez muito conceptual, é considerado o prato principal do menu. Aliás, para o The World's 50 Best Restaurants é o ‘standout dish’ da OSTERIA FRANCESCANA. Sendo desde logo uma homenagem de Massimo Bottura aos fornecedores do restaurante. Com efeito, tal como se diz no nome do prato, a cozinha vai trabalhar em função daquilo que os fornecedores conseguem caçar a cada dia – por vezes pato (‘mallard’), noutros casos perdiz (‘partridge’). Hoje era pato, pato selvagem! Sendo depois essa peça de caça do dia junta com outras carnes para fazer uma versão do tradicional ‘bollito misto’ típico do Piemonte, ou seja, um ‘cozido misto’. Que na verdade não é cozido como outrora – tradicionalmente era cozido ao lume – sendo antes cozinhado em vácuo a baixa temperatura, pretendendo também Massimo Bottura demonstrar que a cultura contemporânea e as mais modernas técnicas de cozinha não servem apenas para substituir a tradição, podendo ser antes um forte contributo para a sua afirmação, ao tornar ainda melhores os pratos tradicionais. Sendo o ‘civet’ também uma sentida e expressa homenagem a Paul Bocuse e à ‘Grande Tradição Francesa’. Mas com Massimo Bottura é tudo sempre muito mais complexo, pelo que o chef italiano também faz questão de, ao elemento tradicional, acrescentar a disrupção da contaminação cultural – neste caso, através do mole mexicano, com cacau Criollo, especiarias e pimentas! À parte, mais dois elementos conceptuais: i) novamente a contaminação, mas agora japonesa, com o Chawanmushi, um sedoso creme de ovos, salgado e muito leve, com uma textura de pudim, para o qual Massimo Bottura também utiliza um caldo de carne feito com os ossos das peças de caça, leite e ainda diversos elementos alusivos à época do ano em que esteja; ii) e ainda o ‘gesto social’, pois Massimo Bottura não tem vergonha de explicar que a tosta fumada sobre a qual assenta a trufa negra (e que serve para ‘apanhar’ o molho à mão) é feita com pão da véspera – nada é desperdiçado na OSTERIA FRANCESCANA!
Croccantino of foie gras | Outra criação intemporal de Massimo Bottura! No fundo, é a clássica e ancestral ligação do foie gras da cozinha francesa com o tradicional vinagre balsâmico de Modena! Mas que o chef da OSTERIA FRANCESCANA transforma num símbolo da sociedade moderna! Com efeito, a aveludada terrina de foie gras surge sob a forma de um gelado industrial; tendo escondido no centro o inebriante vinagre balsâmico tradicional de Modena D.O.P. ‘extravecchio’ (com mais de 25 anos e proveniente da barrica pessoal do chef); e estando a parte exterior do falso gelado cravejada de amêndoas e nozes caramelizadas! Tudo em tamanho bite size, para comer de uma só vez! Absolutamente delicioso! E que o atencioso chefe de sala resumiu numa síntese perfeita: «One of the most elegant and posh dishes in the world dressed as an icon of pop culture!»
Tiramizucca | Como pré-sobremesa, nova referência de Massimo Bottura aos clássicos da cozinha italiana. Com os sabores de outono a surgirem num original e delicioso tiramisù de abóbora (‘zucca’, em italiano).
Pop corn | Outro ícone da cultura pop! São apenas pipocas, mas trabalhadas em diversas texturas e temperaturas – em gelado, salgadas, caramelizadas, em espuma, em merengue, em pó…!
Oops! I Dropped the Lemon Tart | Extra-menu, Massimo Bottura teve ainda a gentileza de oferecer à mesa mais um dos seus clássicos! A tal famosa tarte de limão da OSTERIA FRANCESCANA, cítrica e doce, que parece ter caído ao chão – até o prato de loiça parece estar estilhaçado! Sendo essencialmente uma sentida homenagem de Massimo Bottura… à imperfeição!
Mignardises | Com Massimo Bottura, até as mignardises são conceptuais. Sendo apenas três, para representar os três grandes momentos da refeição – snacks, pratos principais e sobremesas – como se estivéssemos a fazer um rápido flashback destas mais de quatro horas. 1) Tudo começa com um macaron de foie gras e trufa, que remete para o início da refeição. 2) Os pratos principais são representados por uma recriação miniaturizada e circular da ‘Camouflage’, icónica criação de formato quadrado de Massimo Bottura, representando uma lebre no bosque e em que o chef italiano utiliza inúmeros ingredientes, incluindo foie gras, sangue, chocolate, café, ervas, nove especiarias… – e que, durante muitos anos, era sempre o último momento do menu de degustação. 3) Por fim, uma cereja reconstruída, cujo recheio é chocolate e cereja líquida.
Aceto Balsamico di Modena | À saída, é oferecida uma garrafa de vinagre balsâmico da marca pessoal do chef, Villa Manodori.
The World’s Best Restaurant 2016 | A caminho da porta, é ainda possível ver os troféus relativos à escolha da OSTERIA FRANCESCANA como o melhor restaurante do mundo em 2016.
São Francisco de Assis | O nome OSTERIA FRANCESCANA é uma referência a São Francisco de Assis – o restaurante fica no bairro da Paróquia de S. Francisco, muito perto da Igreja de São Francisco.
Porta | A discreta entrada da OSTERIA FRANCESCANA, numa recatada rua pedonal do medieval centro histórico de Modena.
Ver também:
Fotografias: Marta Felino e Raul Lufinha
Via Stella, 22, Modena, Itália
Chef Massimo Bottura
Massimo Bottura na OSTERIA FRANCESCANA
Por estes dias, Modena, a cidade da Ferrari e de Pavarotti, é também a capital gastronómica de Itália… e do mundo!
Com efeito, em 2016 a OSTERIA FRANCESCANA de Massimo Bottura, um pequeno e elegante restaurante de doze mesas no centro histórico de Modena com três estrelas Michelin desde 2012, foi finalmente considerada pelo júri do ‘The World's 50 Best Restaurants’ o n.º 1 do mundo.
Mas Modena, destino gastronómico de excelência, tem mais dois produtos absolutamente extraordinários e de nível igualmente mundial:
– o queijo a que, de modo simplista, chamamos ‘Parmesão’ e cujo nome completo é ‘Parmigiano Reggiano’, produzido exclusivamente nas províncias italianas de Parma, Reggio Emilia, Modena, Bolonha e Mantua;
– e o vinagre balsâmico de Modena, que, quando produzido de forma genuína e tradicional (ao contrário das versões industriais provenientes igualmente de Modena que encontramos nos supermercados) não é feito a partir de vinho mas antes do mosto (ou seja, do sumo da uva) que é cozido antes de começar a fermentar, sendo depois vendido somente em duas modalidades mínimas de envelhecimento, 12 ou 25 anos, e apenas na pequena garrafa oficial de 100 ml obrigatória para todos os produtores certificados, desenhada por Giorgetto Giugiaro.
Ora, do mesmo modo que para se conhecer e compreender a cozinha de Massimo Bottura é necessário ir à OSTERIA FRANCESCANA provar os pratos do chef italiano, também só se consegue perceber verdadeiramente um queijo e um vinagre tão especiais indo a uma queijaria e a uma vinagraria fazer uma visita guiada e realizar uma prova orientada.
Ou seja, três visitas marcantes e transformadoras que uma única ida a Modena possibilita.
Pelo que, nos próximos tempos, o Mesa do Chef estará com Massimo Bottura na OSTERIA FRANCESCANA; acompanhará as várias fases do processo de produção do queijo Parmigiano Reggiano na queijaria 4 Madonne; e irá à Acetaia di Georgio, uma vinagraria tradicional que, tal como sucede há seculos em Modena, funciona no sótão da casa das famílias que produzem vinagre balsâmico.
A produção do queijo Parmigiano Reggiano na queijaria 4 Madonne, em Modena
Giovanna e Giorgio Barbieri na Acetaia di Georgio, no sótão da sua casa em Modena
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