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Chef Rui Silvestre
Rui Silvestre está de volta ao Algarve… e à alta cozinha!
Após uma breve passagem sem história por Lisboa, o jovem chef português – que já tinha surpreendido o universo gastronómico no outono de 2015 com a atribuição de uma estrela Michelin ao ainda hoje pouco conhecido BON BON – está desde o ano passado discretamente à frente do VISTAS, no Monte Rei Golf & Country Club, em pleno Sotavento Algarvio, quase junto a Espanha.
Tendo alterado profundamente a oferta do restaurante!
Longe vão, pois, os tempos do VISTAS do chef Albano Lourenço. E, mais ainda, do chef espanhol Jaime Perez, que tinha trabalhado no EL BULLI com Ferran Adrià e foi a razão da nossa primeira visita a Monte Rei, no longínquo verão de 2010, ainda não havia sequer blog – algo que entretanto em 2014 já tinha mudado.
Porém, o mais fascinante no revigorado VISTAS de Rui Silvestre é a abordagem do chef!
Sente-se, logo desde a chegada e depois também naturalmente à mesa, inclusivamente nos ínfimos pormenores, que Rui Silvestre, mais do que estar a criar um novo VISTAS, está a retomar o trabalho, que deixou interrompido no BON BON, de ir em busca da segunda estrela!
Ou seja, apesar de o VISTAS não ter qualquer estrela – é apenas Prato Michelin 2019 – na cabeça de Rui Silvestre a sua cozinha já é uma cozinha com uma estrela. Ter uma estrela já ele próprio conseguiu no passado! De modo que, agora, o chef não está a fazer igual, não está a fazer o que já fez, não está a ir novamente à procura dessa primeira estrela. Não! Essa, na sua cabeça, já a tem!
Pelo que Rui Silvestre pensou e criou um VISTAS… que fosse antes em busca da segunda estrela!
Daí que a experiência tenha desde já um nível tão alto e seja tão arrebatadora!
O terraço do VISTAS
Quanto à oferta do restaurante, para além de ser possível escolher à carta, há dois menus de degustação: o ‘Fauna & Flora’, nome que Rui Silvestre já utilizava no BON BON, de seis momentos, ‘inspirado na Natureza’; e o ‘Passeio Marítimo’, de sete momentos, ‘inspirado no Atlântico’.
Estando sempre muito presentes os três elementos que melhor caracterizam a requintada e elegante cozinha de Rui Silvestre:
– os sabores especiados, fruto também das influências familiares indianas e moçambicanas do chef;
– as notas cítricas, pois com Rui Silvestre os citrinos têm sempre um grande papel no prato;
– e o umami, sempre uma busca em torno do umami.
Tudo isto a par, claro, da técnica – sempre muita técnica!
Destaque ainda para o facto de, no desenho dos menus de degustação, Rui Silvestre optar por snacks muito intensos em termos de sabor, snacks fortíssimos! Ao contrário dos chefs que preferem começar a experiência ‘devagarinho’ e depois carregar nos pratos, Rui Silvestre começa logo a abrir!
Igualmente merecedor de nota é o acentuado contraste entre a abordagem dos snacks e a dos pratos! Nos snacks, sabores diretos – tudo muito focado! Já nos pratos, uma enorme complexidade e uma profusão elementos que permite a Rui Silvestre mostrar uma vasta cozinha de preparação e o profundo domínio (tão ao gosto dos inspetores Michelin) das mais diversas técnicas culinárias!
A MARÉ | “O sal, o iodo, a imensidão do Atlântico, harmonia de cheiros, sons e cores, respire fundo e embarque no nosso passeio marítimo” – é assim o começo da viagem no VISTAS. Percebes no seu habitat natural, com maçã verde e pepino. Muito fresco! Muito mar! Por todo o lado, o perfume do mar!
TACO DE GAMBA VIOLETA DE TAVIRA | A ideia de Rui Silvestre é que recheemos o crocante taco… com a cremosa e envolvente gamba violeta de Tavira, trabalhada com abacate e maionese de crustáceos!
PEIXE ASSADO E SALADA ALGARVIA | Continuando com os sabores do Algarve, um tão intenso quanto pequeno snack bite-size de peixe assado e salada algarvia. Vem servido nas famosas sardinhas Bordallo Pinheiro! E é para comer sem talheres! Rui Silvestre pretende antes que peguemos na sardinha com as duas mãos – uma de cada lado – e que levemos tudo à boca de uma só vez!
LINGUEIRÃO | Mais Algarve num lingueirão bastante cítrico, com crème fraîche e limão. E em que a falsa casca – feita com farinha de trigo e algas do mar, e bem crocante – também é para comer!
SASHIMI DE PEIXE-GALO E SAPATEIRA | Servido num cogumelo trombeta da morte de loiça que serve de colher, Rui Silvestre traz-nos novamente notas cítricas e muito mar num sashimi de peixe-galo recheado com sapateira, combava e cebolinho! Delicioso e para se comer de uma só vez!
TÁRTARO DE NOVILHO E CAVIAR OSCIETRA | Numa colher de madrepérola, um poderoso tártaro de novilho, bastante especiado e levemente adocicado – no qual Rui Silvestre contou ter usado ‘pimenta’ d’Espellete. Já por cima, apenas caviar oscietra!
ENGUIA FUMADA E CAVIAR OSCIETRA | Depois, como a base onde assenta a colher é, na verdade, uma tampa, descobrimos a seguir uma lata de caviar! E, quando a abrimos, encontramos uma tartelete! Ainda mais forte do que a anterior ligação tártaro/caviar da colher – e tendo também caviar oscietra no topo – é uma poderosíssima tartelete de enguia fumada! Brutal!
LEGUMES BIOLÓGICOS – Creme de Manjericão | Óleo de Aneto | Sabayon de Azeite e Limão | Após o último snack e antes do começo do ‘Passeio Marítimo’, uma oferta de Rui Silvestre: o excelente prato vegetariano que abre o outro menu, o ‘Fauna & Flora’! Um prato, aliás, muito pedagógico e que efetivamente se revelou de extrema importância para demonstrar e melhor compreender o crucial papel dos citrinos na cozinha de Rui Silvestre! Isto porque, nesta composição, os citrinos vinham à parte, estavam no molho, estavam no cítrico e untuoso sabayon que era servido à parte. De modo que foi possível provar os legumes – todos deliciosos e al dente – com e sem o molho! E comparar ambas as experiências. Ora, ao provarmos os legumes com e sem o cítrico molho, conseguimos perceber a função do cítrico molho (e, consequentemente, a função dos citrinos para a cozinha de Rui Silvestre!). De facto, com o cítrico molho, mais do que saberem a limão (que também sabiam, levemente) e mais do que terem ficados acidulados (que também ficaram, levemente) os legumes ficaram, principalmente, a saber mais a eles próprios! Ou seja, o citrino funcionou como um intensificador de sabor! Ou seja, claro que os citrinos têm sabor, claro que os citrinos têm acidez, claro que os citrinos não são um elemento neutro – mas Rui Silvestre não usa os citrinos pelos citrinos, somente para tornar o prato mais cítrico! Usa-os essencialmente para eximiamente acentuar ainda mais os outros sabores, os sabores dos outros ingredientes! Daí que este cítrico intensificador de sabor esteja tão presente nos sucessivos pratos de Rui Silvestre! Daí que os citrinos sejam um dos elementos identitários da sua cozinha!
ATUM E OSTRA – Lombo e Toro de atum | Ostra do Moinho dos Ilhéus | Creme de Couve-flor e Wasabi | O primeiro prato propriamente dito do menu ‘Passeio Marítimo’, após os snacks iniciais. Notando-se desde logo uma maior complexidade, com Rui Silvestre a utilizar mais sabores e mais técnicas. Atum em duas preparações, uma quente, outra fria. Ao centro, uma ostra escalfada, sob uma gelatina inspirada num dashi. E de lado, couve-flor – numa emulsão (com uvas do mar, uma alga) e num creme (com wasabi). Um prato vencedor, que é finalizado na mesa com pérolas de maçã verde e yuzu (lá está, outro citrino!).
LAVAGANTE AZUL – Marmelada de Tomate | Desfiado de Sapateira | Caviar Oscietra | Aipo bola | O prato assinatura Rui Silvestre! A marmelada de tomate, então, está brutal – feita com malagueta vermelha, limão confitado e manjericão, para além de surgir levemente doce, levemente ácida e levemente picante, encontra-se, em especial, extremamente especiada! Notável igualmente o molho, profundíssimo, algures entre uma bisque de lavagante e a sopa wonton vietnamita – e que Rui Silvestre depois escurece com tinta de choco, para ganhar esta fascinante cor escura, que contrasta com os elementos mais claros e com a própria loiça! Um lavagante para repetir… muitas e muitas vezes!!!
CARABINEIRO – Carabineiro 6/7 | Pérolas de Tapioca | Arroz Tufado | Gengibre | Caviar limão | Um momento com duas partes que se complementam. Sobre o carabineiro, o cítrico e o picante tão característicos de Rui Silvestre – tem nomeadamente gengibre e lima-caviar. Já as pérolas de tapioca, trabalhadas com o saboroso caldo do carabineiro, têm também o crocante do arroz tufado. Excelente!
PEIXE-GALO – Azeitona Taggiasca | Limão | Alcaparras | Tomate | Emulsão de Funcho | Um prato repleto de referências aos sabores da atual cozinha mediterrânica. A azeitona, sobre o peixe. O tomate – que é falso, tem um saboroso gaspacho no interior. As alcaparras. E o limão. Destaque ainda para a deliciosa emulsão de funcho. E para a espiral, feita com um puré de algas (verde-escuro) e óleo de aneto.
SALMONETE DE LINHA – Salmonete assado | Compota de Cebola | Lagostim corado | Ravioli de Lulas | Molho de Harissa | Esta é a mais recente versão de um clássico que acompanha Rui Silvestre… há já 6 anos! Com efeito, ainda antes da sua chegada a Portugal e ao BON BON, já o chef do VISTAS tinha um prato com estes quatro elementos: salmonete / lula / lagostim / cebola. A formulação vai evoluindo e uma dessas versões chegou inclusivamente a ser apresentada por Rui Silvestre na edição de 2016 do Peixe em Lisboa, mas, na essência, é sempre o mesmo prato! O salmonete e o lagostim, perfeitos! Notas doces na quenelle de compota de cebola, notas picantes no puré de pimento piquilho – mas, em ambos os casos, com muita delicadeza e elegância! Ao lado, um saboroso raviolo de lula algarvia. Sendo depois servido, já na mesa, um apuradíssimo e bastante guloso molho de harissa! E surgindo então mais uma grande surpresa do chef! Com efeito, o menu ‘Passeio Marítimo’ não tem pão – Rui Silvestre serve pão à carta, mas nos menus prefere que as pessoas se foquem nos pratos! Porém, chegados ao último momento salgado do ‘Passeio Marítimo’, o chef faz chegar à mesa… uma surpreendente fatia de pão!!! É só agora, quase no fim do jantar e a pretexto de o embeber no molho, que Rui Silvestre serve então pão!!! Embora a verdadeira razão (para chegar tão tarde à mesa algo que tantas vezes antecede todos os pratos) seja mesmo a de Rui Silvestre entender que nesse derradeiro momento, após terem sido provados todos os pratos, deixa de existir o inconveniente de as pessoas… se empanturrarem de pão! E então lá chega o pão! Mas a realidade não é assim tão simples. Porque o (excelente) pão que Rui Silvestre serve é um pão de centeio... e limão! Ou seja, Rui Silvestre não o diz mas este pão tem ainda mais uma função!!! No prato do salmonete, as notas cítricas tão características da cozinha de Rui Silvestre… estão precisamente no pão! De facto, neste prato, em vez de pôr os citrinos diretamente no molho, o chef do VISTAS introduz os citrinos… através do pão que, por sua vez, vai ser ‘molhado no molho’! Sendo, também por isso, um momento deliciosamente desconcertante!!!
COCO – Maracujá | Ananás | Um refrescante ‘aperitivo de sobremesa’, para se comer de uma só vez! Sobre um falso coco, feito de chocolate de maracujá, encontramos maracujá e coco e, depois, no topo, uma espuma de Piña Colada!
ABACAXI – Poejo | Crumble gelado de beterraba | No VISTAS, a ‘pré-sobremesa’ tem uma forte componente cénica! Com efeito, a Joana Daniela – que explicou sempre muito bem os pratos ao longo de todo o jantar – começou por nos dar a provar a espuma de beterraba antes de a trabalhar com nitrogénio líquido, de modo a sentirmos as diferenças não tanto de sabor mas sobretudo de textura e de temperatura! Com efeito, a espuma de beterraba transformada à nossa frente num frio crumble foi depois adicionada a uma brunoise de abacaxi e a um sorbet de poejo… num conjunto em que também sobressaem os sabores tipicamente algarvios do mel, da laranja e do medronho!
LIMÃO – Mousse de Laranja sanguínea e Limão| Cremoso de Citrinos | Molho de Maracujá | Gelado de Limão | A sobremesa do ‘Passeio Marítimo’ de Rui Silvestre no VISTAS é uma autêntica obra de arte! O limão é lindíssimo! Sendo totalmente comestível – as folhas e o píncaro são confecionados com açúcar e também se comem! A capa do limão é feita de chocolate branco. E no interior esconde-se uma mousse de laranja sanguínea, um curd de citrinos e um creme de maracujá. Do lado direito, um refrescante e cítrico gelado de limão, que acrescenta à sobremesa não apenas acidez mas também uma temperatura mais baixa! E do lado esquerdo, um apontamento de merengue italiano, que traz à memória as tartes de limão merengadas e acrescenta ao conjunto um toque doce e não-ácido! Existindo ainda um elemento simbólico nesta extraordinária sobremesa que convém realçar – os citrinos são de tal forma importantes para Rui Silvestre que, para além de serem uma das assinaturas da sua cozinha e estarem presentes do princípio ao fim do menu, são também ‘a’ sobremesa! Este limão, mais que tudo, é a verdadeira homenagem de Rui Silvestre aos seus citrinos!
Café e bombons | No VISTAS, Rui Silvestre também aposta no chocolate, sendo essa inclusivamente a sobremesa que culmina o outro menu, o ‘Fauna & Flora’. Aqui, no ‘Passeio Marítimo’, após um primeiro apontamento de chocolate no falso coco, chegam depois com o café três ótimos bombons: um, de chocolate negro com caramelo salgado; outro, de chocolate branco com limão e gengibre; e, ainda, um terceiro, de chocolate negro com recheio de maracujá.
Visita à cozinha | Antes da partida, uma visita à cozinha do VISTAS, guiada pelo chef.
Michelin | Com esta qualidade, a placa de 2020 será certamente outra!
Monte Rei | Monte Rei Golf & Country Club.
D. Rodrigo | Finalmente, ao pequeno-almoço da manhã seguinte, uma recordação do VISTAS que nos soube maravilhosamente!
Muitos parabéns, Rui!
O tempo passa depressa e foi há já quase dois meses – em meados de agosto – que fizemos aquele que continua indiscutivelmente a ser um dos nossos melhores jantares deste ano!
Oxalá seja o próximo guia Michelin Espanha & Portugal 2020 capaz de dar diretamente e de uma só vez duas estrelas a um chef português, a um restaurante liderado por um chef português!
Fotografias: Marta Felino e Raul Lufinha
Ver também:
VISTAS
Monte Rei Golf & Country Club, Sítio do Pocinho, Vila Nova de Cacela, Algarve, Portugal
Chef Rui Silvestre
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