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Chef Samuel da Rosa e Sommelier Beatriz Orta Lozano
Jantar no MÈM é, acima de tudo, uma desafiante experiência multissensorial!
Convocando todos os nossos sentidos – desde logo o paladar e o olfato, mas também o tato, a audição e a visão – para uma lúdica provocação gastronómica que parte dos sabores do Algarve e vai muito para além do que é convencional… ou do que seria expectável!
O restaurante fica na serra, à saída de Loulé, onde aliás funcionou em tempos o austríaco 3 WONDERS.
E à sua frente está um casal, o chef algarvio Samuel da Rosa e a sommelier espanhola Beatriz Orta Lozano.
Já o nome MÈM é a palavra “mesmo”… dita com pronúncia algarvia!
Mar e serra, a vista da varanda coberta do MÈM
Existindo no MÈM somente dois menus de degustação.
Um de nove momentos e outro ao qual Samuel da Rosa acrescenta ainda mais três criações, perfazendo doze experiências.
Esta noite o menu base de nove momentos foi assim:
1.º momento – “Arroz” de Polvo Azul
“Arroz” de Polvo Azul
Para começar, uma composição de grande impacto visual!
Chegando à mesa – numa ardósia individual – aquilo que parece uma joia, uma pedra preciosa.
Ou então a montra de uma joalharia.
Mas que, na verdade, é uma homenagem de Samuel da Rosa ao Arroz de Polvo à Algarvia.
Sendo para comer à mão, em várias dentadas.
Na base, está uma estaladiça cracker de arroz – o arroz deste “Arroz de Polvo” – frita em óleo de coco.
Na qual Samuel da Rosa depois incrustou três preciosas pedras azuis.
Ou quase.
Na realidade, é polvo cozido – o polvo do “Arroz de Polvo” – tingido naturalmente com a flor Butterfly Pea, típica do sudeste asiático, de modo a que o cefalópode ganhe aqui uma tonalidade azul-celeste.
Por cima do polvo azul, Samuel da Rosa coloca então um contrastante ponto encarnado – chutney de tomate.
No topo do qual surge ainda uma camarinha algarvia – ou seja, uma referência ao camarão que tantas vezes enriquece o tradicional “Arroz de Polvo”.
Depois, no centro da cracker, sabores marinhos num novo jogo de cores fortes – o encarnado vivo do caviar de algas vermelhas e o verde das ervas halófitas.
Sendo todo o conjunto pulverizado ainda, no final, com essência de ouriço-do-mar, para intensificar os aromas e os sabores a mar.
É, pois, um momento extremamente leve.
E muito colorido!
Mas bastante completo – brilhando o doce, o salgado e o ácido.
E com uma grande variedade de texturas.
Muito bom!
2.º momento – “Iogurte de Morango” com Pedaços
“Iogurte de Morango” com Pedaços
Novamente preocupações estéticas no segundo momento da noite.
Que chega à mesa “fumegante” – com efeito, no prato onde é colocada a taça, há também “gelo seco.”
Por outro lado, o próprio nome desta criação – “Iogurte de Morango” com Pedaços – é apenas uma ilusão.
Efetivamente, não existe qualquer morango – é beterraba!
Disposta em forma de ‘flor’, representando as pétalas.
E à qual Samuel da Rosa junta, no centro, queijo, fumado a baixa temperatura, a envolver uma gamba fresca da costa do Algarve.
Bem como folha de ouro, caviar e ainda rossio, uma erva holófita.
Muito fresco!
3.º momento – Gambão, Caril e Fava de Cacau
Gambão, Caril e Fava de Cacau
O terceiro momento parece um quadro, uma pintura!
É claramente uma obra de arte!
Desde logo, uma obra de arte visual.
Mas não só!
Quando depois contemplamos o prato, logo percebemos que Samuel da Rosa dividiu o gambão em duas partes distintas – cabeça e corpo.
Sendo cada uma delas cozinhada de forma diferente!
A cabeça é frita! Completamente crocante e para comer na sua totalidade, está assente num saboroso aïoli de alho negro! Tendo depois ainda o doce do coco! E o amargo dado por uns surpreendentes nibs de cacau!
Já o corpo do gambão é cítrico, sendo primeiro trabalhado por Samuel da Rosa num ceviche e a seguir braseado com o maçarico imediatamente antes de chegar à mesa. Tendo também uma pedra de sal dos Himalaias.
Quanto à provocante cor amarela que salpica e mancha o prato… é caril, chocolate branco e pera!
Ou seja, um caril adocicado!
Existindo ainda marcas de beterraba, de lima e de aïoli de alho negro!
Um prato muito cromático!
De uma enorme complexidade!
E extremamente delicioso!
Excelente!
4.º momento – Polvo MÈM
Polvo MÈM
Talvez seja a mais inusitada conjugação de sabores da noite!
Samuel da Rosa junta no mesmo prato polvo… e fios de ovos!!!!!!!
E, por muito estranho que possa parecer, resulta!
Sendo o conjunto composto ainda por um caril indiano – que já não é doce como o do gambão mas ácido, devido ao tomate Bella Rosa da horta espanhola de três hectares do sogro do Chefe e Pai de Beatriz, em Isla Canela, que abastece o MÈM.
Tendo também um apontamento de curgete, levemente grelhada.
E um delicioso torresmo, bem crocante!
Bem como uma salicórnia «a adornar».
Muitíssimo bom!
5.º momento – Revolução de Bacalhau
Revolução de Bacalhau
No momento seguinte, Samuel da Rosa dedica-se a “revolucionar” o tradicional Bacalhau com Natas.
Na base do prato, um cremoso bacalhau salgado com natas e batatas, em que se sente a agradável textura do peixe.
Por cima, uma tranche de bacalhau fresco, que foi ao forno e é servida com uma crosta crocante de broa de milho e ervas aromáticas.
Ao lado, em separado, a pele do bacalhau, bem frita… e maravilhosa!
E também ‘chips’ de cebola caramelizada, num registo simultaneamente doce e salgado – e que é um dos pontos altos desta Revolução do Chef!
Existindo ainda um discreto chutney agridoce de tomate – o ponto encarnado do prato.
Bem como uma seleção de verdes, aromatizada com uma redução de vinagre balsâmico e hortelã, que dá também frescura à criação de Samuel da Rosa.
Um grande prato de bacalhau!
6.º momento – Momento de Rendição
Momento de Rendição
Os dois menus de degustação do MÈM são claramente alternativos – é cozinha alternativa!
Mas têm ambos um momento, apenas um momento, em que Samuel da Rosa aceita ceder ao mainstream, apresentando um prato de gosto mais fácil e consensual.
Ao qual chama – muito apropriadamente – o “Momento de Rendição”!
O curioso é que, para além de servir de válvula de escape para quem possa estar desconfortável com um menu tão inusual, este inesperado momento de conforto tem também o mérito de acentuar o contraste entre tudo o que já tinha sido apresentado até aqui… e aquilo que ainda estava para vir!
De modo que, nesta noite, chegou à mesa, na base do prato, um aconchegante creme de cogumelos.
Sobre o qual Samuel da Rosa colocou um delicado raviolo com um magnífico e generoso recheio de pesto e pinhões.
E um ar de leite, que ligava todo o prato.
Bem como um delicioso soufflé crocante de batata, aromatizado com tomate e com amaranto.
Perfeito para reconfortar os estômagos mais sensíveis!
Mas se é verdade que o Chefe se rende por um momento – o Momento de Rendição – é igualmente certo que Samuel da Rosa não fica todavia rendido!
E já de seguida irá voltar à sua luta… por uma cozinha que desafie os sentidos de quem visita o MÈM!
7.º momento – Sem título
Sem título
Ora, nem de propósito, ao sétimo momento, a inexistência de cordeiro obriga Samuel da Rosa a mudar o guião!
E assim, em vez do bao que constava do menu impresso, chega antes à mesa uma nova criação do chefe do MÈM, a qual ainda nem sequer tem nome!
Mas que representa claramente a identidade da cozinha de Samuel da Rosa.
No fundo da taça, crème fraîche com salmão fumado!
Por cima, de um lado, um ótimo bacalhau fumado.
Do outro, um chutney de limão, gengibre e canela.
E um pâté feito com três variedades de azeitonas.
Bem como um crocante de broa de milho.
E ainda o mar salgado dos salty fingers.
Mais um grande momento de Samuel da Rosa, sempre com os sabores fortes e puxados do Chefe!
8.º momento – Cataplana Doce
Ruben Santos e os “cornetos” de Cataplana Doce: cada um tira o seu
Cataplana Doce (choco, pimentos, malagueta, alho negro)
A seguir, chega uma surpreendente pré-sobremesa!
Todos os sabores da cataplana.
Mas num registo doce e picante!
E servidos num pequeno cone negro, feito com tinta de choco e de sabor neutro – nem doce, nem salgado – para deixar brilhar a Cataplana!
Sendo finalizado com um apontamento verde no topo – uma delicada folha de carrasquinha ou tengarrinha, conhecida em Espanha (e na horta do sogro do Chefe) como tagarnina.
Excelente!
9.º momento – A Revolução de Chocolate (Algarve Remix 2017)
Primeiro é colocada na mesa uma toalha de plástico transparente
Tal como consta dos menus, os jantares no MÈM terminam literalmente “Sobre-a-Mesa”.
De modo que Samuel da Rosa vem até à sala para uma performance de cozinha ao vivo.
Contudo, o mais fascinante não é propriamente o “número” de a sobremesa ser servida diretamente sobre a toalha.
Mas antes a diversidade contrastante dos múltiplos sabores que Samuel da Rosa escolhe!
E que expõe literalmente em cima da mesa… num belo e arrojado quadro de sabores!
Puré de batata-doce roxa
Gel de pepino e lima
Gel de framboesa
Gel de laranja ácida do Algarve
Bolacha Mulata dos Açores
Dois turrones espanhóis, um de amendoim e amêndoa, outro de gema de ovo queimada
Panna cotta de caril e leite de coco
Ananás dos Açores salteado em Kraken, o famoso rum preto do Caribe elaborado com uma mistura de mais de 11 especiarias secretas
Mousse de chocolate, com 75% de cacau e whiskey Jack Daniel’s
Pólen
Espuma de queijo Mascarpone e gengibre
Brandymel
A Revolução de Chocolate (Algarve Remix 2017)
Os vinhos
Beatriz Orta Lozano…
… a sommelier do MÈM
Para acompanhar os menus de degustação do MÈM não há harmonização vínica pré-definida.
De modo que começámos com um elegante e versátil espumante bruto do Dão, o Ribeiro Santo, de Carlos Lucas.
E depois, em resposta ao nosso pedido de um tinto com acidez suficiente para dar luta às criações de Samuel da Rosa, a sommelier Beatriz Orta Lozano sugeriu-nos o excelente Trio do Solar dos Lobos de 2013, um complexo vinho alentejano, produzido com Touriga Nacional, Alicante Bouschet e Syrah, que surpreende pela sua frescura.
E que, apesar do intenso calor das quentes noites algarvias, Beatriz Orta Lozano serviu refrigerado e sempre a uma boa temperatura!
Solar dos Lobos Trio tinto 2013
Cuíco, o Azeite do Chefe
Azeite Cuíco
À saída do MÈM, houve ainda a oportunidade de provar e comprar o ótimo azeite do Chefe.
Chama-se “Cuíco”, nome dado aos de Monte Gordo – como Samuel da Rosa.
E é produzido por Luís Mila a partir de azeitonas provenientes de oliveiras com uma idade média de 60 anos.
Cuíco, o azeite do Chef Samuel da Rosa
Foi o fim de um jantar ‘fora da caixa’!
Com efeito, Samuel da Rosa apresenta uma cozinha extremamente expressiva!
E deveras estimulante!
Proporcionando no MÈM uma experiência muito sensorial, que apela a todos os nossos sentidos!
Com grandes preocupações estéticas, o Chefe carrega de facto nas cores – cores fortes, com um enorme impacto visual!
E carrega também nos sabores – sabores muito intensos, mas distintos, harmonizando salgados, ácidos, amargos e doces.
Destacando-se em especial a forma peculiar e destemida como utiliza o sabor doce em combinações ‘salgadas’ ao longo de todo o menu, não o confinando à sobremesa!
Um agradecimento especial ainda ao Ruben Santos que, para além de uma presença singular e sempre atenta na sala, teve arte para descodificar as pinceladas de todas as obras do Chefe!
Valendo, pois, “MÈM” a pena ir até Loulé para conhecer a cozinha de Samuel da Rosa e os vinhos de Beatriz Orta Lozano!
Fotografias: Marta Felino e Raul Lufinha
MÈM
Estrada Municipal 1305, Goldra, Loulé, Portugal
Chef Samuel da Rosa
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