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Não, a tendência não é irmos ficar a sumo
Maiakovski, interessante personagem do Instagram que tinha ganho notoriedade com as suas contundentes críticas a restaurantes consagrados mas que entretanto mudou o registo para um perfil diametralmente oposto – o qual pode ser seguido aqui e cujo autor de carne e osso tivemos agora aliás o gosto de reencontrar nos Prémios Mesa Marcada – veio em meados de janeiro, numa lógica de consultor e “olhando o presente com os olhos no futuro”, apresentar o que considera serem “10 tendências para 2020”.
Porém, há uma com a qual manifestamente não podemos concordar: “o fim do Wine Pairing”.
O Wine Pairing acabar não é nenhuma tendência!
O Wine Pairing, diga-se, é a harmonização da comida com vinho.
Ora, o vinho não vai acabar!
O vinho à mesa não vai acabar!
A harmonização do vinho com a comida não vai acabar!
E também não vão acabar os escanções! Se a tendência fosse mesmo “o fim do Wine Pairing”, como diz Maiakovski, então também estariam a acabar aqueles que concebem o Wine Pairing, ou seja, os escanções… Mas a tendência é precisamente a oposta: cada vez mais o bom serviço de vinhos é uma necessidade (e não um diletantismo), cada vez mais os sommeliers são valorizados e procurados pelo mercado, cada vez mais os escanções são o braço direito dos chefes, cada vez mais os sommeliers são uma segurança e uma garantia de qualidade para o cliente!
Claro que, ao mesmo tempo, as modas “healthy” e “booze-free” vão ganhando adeptos. Há bares que estão a deixar de vender álcool. E a própria indústria está cada vez mais a produzir e comercializar bebidas não-alcoólicas.
E efetivamente, hoje em dia, o maior inimigo do vinho não parecem ser tanto as outras bebidas alcoólicas – apesar da crescente popularidade das microcervejeiras, com as suas receitas artesanais – mas antes as bebidas sem álcool.
Ou seja, os principais inimigos do vinho já não parecem ser os consumidores que preferem outras bebidas alcoólicas, mas antes aqueles que não bebem qualquer bebida alcoólica.
Contudo, estes movimentos “alcohol-free” não irão acabar com o vinho à mesa dos restaurantes!
Aliás, nem os nórdicos conseguiram acabar com o vinho à mesa! Na ortodoxia dos seguidores do Manifesto da New Nordic Food, o vinho – por ser um produto não-nórdico – deveria ter sido banido, tal como foi o azeite, o limão ou o tomate. Porém, as alternativas ao vinho não funcionaram tão bem à mesa – nomeadamente a cerveja e, também, os sumos, os quais, ainda assim, por exemplo, o NOMA continua a servir na atual sétima temporada da sua versão 2.0 (embora a fotografia acima tenha sido tirada há uns anos na localização inicial). Pelo que, mesmo naqueles tempos iniciais do auge da intransigência para com produtos “estrangeiros” (isto é, de fora da região nórdica), mesmo nessa altura, os restaurantes nórdicos mantiveram o vinho nas suas cartas – o que fizeram, justificando-se com os princípios de pureza da sua nova cozinha, foi antes adotar vinhos estrangeiros “mais puros”… ou seja, os ditos “vinhos naturais”! Daí que, ao contrário do que muitos pensam, o facto de os nórdicos terem-se tornado uns acérrimos defensores dos “vinhos naturais” seja, acima de tudo, uma extraordinária vitória da (naturalmente não-nórdica) cultura do vinho! O vinho venceu o fundamentalismo nórdico! De tal forma que, apesar de ser um produto não-nórdico, transformou-se num pilar essencial da Nova Cozinha Nórdica!
De modo que não podemos concordar com a afirmação de Maiakovski de que uma tendência para 2020 seja “o fim do Wine Pairing”.
Pelo contrário, em 2020 a tendência será a de o vinho continuar a acompanhar a comida!
Os Wine Pairings não são todos iguais
Porém, quando vamos avançando na leitura da justificação de Maiakovski para considerar “o fim do Wine Pairing” uma tendência em 2020, verificamos, afinal, que o seu título “O Fim do Wine Pairing” tinha sido manifestamente excessivo.
Afinal, para Maiakovski, já não é bem “o fim do Wine Pairing” – é antes “mais escolhas, menos vinhos”…
E afinal, aquilo que seria uma “tendência” objetiva é antes a opinião de Maiakovski, é antes aquilo que Maiakovski gostaria que fosse uma tendência.
De qualquer forma, para que não subsistam dúvidas, aqui fica o post integral de Maiakovski:
«7. O FIM DO WINE PAIRING. Um exercício de estilo diletante. Que em nada contribui para o prazer do cliente. Em menus de #finedining alguém se lembra ao décimo prato e oitavo vinho, o que bebemos? Fazer um menu degustação acompanhado de um #winepairing tornou-se, salvo honrosas excepções como a da foto [desse post de Maiakovski, tirada no EL CELLER DE CAN ROCA], uma espécie de combate Ali vs Frazier. Comida versus vinho. Em que o terceiro elemento - o cliente - acaba sempre derrotado pelo excesso de potência. O papel do #sommelier deve ser mais pedagógico. O cliente não deve ser cobaia de exercícios teóricos em que comprovamos quanto sabe. O cliente precisa de ter prazer e de sair vivo da prova. Para isso, mais escolhas, menos vinhos, menos carrocel. Beber vinho deve ser um prazer e não uma corrida de obstáculos.»
Ou seja, afinal Maiakovski está a dar a sua opinião subjetiva, está a dizer aquilo que “deve ser” – em vez de dizer “aquilo que é” (ou até “aquilo que vai ser”), como seria de esperar de quem diz que identifica uma tendência objetiva. Pelo que, também por aqui, se verifica que a referida tendência afinal não existe, sendo antes apenas algo que, na opinião de Maiakovski, deveria existir.
Adicionalmente, há também uma questão conceptual.
Pois o que Maiakovski chama de “Wine Pairing” não é propriamente a harmonização da comida com vinho.
Com efeito, percebe-se depois ao longo do texto que Maiakovski se está antes a referir ao menu de degustação de vinhos servidos a copo, que pode acompanhar um menu de degustação (de comida) e que usualmente é chamado de “Wine Pairing” (embora tenha também outras designações, como, por exemplo, “Wine Tasting”, “Wine Degustation” ou “Wine Experience”, só para usar igualmente a língua inglesa).
Ora, como é bom de ver, fazer um menu de degustação de vinhos a copo (“Wine Pairing”) é apenas uma forma de harmonizar vinho com comida (“Wine Pairing”).
De todas as maneiras, independentemente das opiniões que cada um possa ter sobre um menu de degustação de vinhos a copo para harmonizar com a comida – um tema vasto, que não cabe neste espaço, embora também não acompanhemos Maiakovksi quando o considera “um exercício de estilo diletante” – de qualquer forma, dizia, o que importa referir é que, também neste sentido de o Wine Pairing ser o menu de degustação de vinhos a copo para harmonizar com a comida, a tendência para 2020 não é “o fim do Wine Pairing”!
A tendência para 2020 não é o fim dos menus de degustação de vinhos a copo para acompanhar a comida!
Claro que os menus de degustação de vinhos a copo não são para todas as pessoas.
Nem são para todas as ocasiões.
Tendo também, como é óbvio, as suas desvantagens e inconvenientes.
A primeira, desde logo, é o excesso de álcool. Embora o verdadeiro problema seja a quantidade de álcool efetivamente ingerida – e não propriamente se o fazemos através de uma única garrafa ou de um menu de degustação de vinhos a copo. Por exemplo, se bebermos uma garrafa inteira de vinho estamos a ingerir mais álcool do que se bebermos três meios-copos de três diferentes vinhos. Ou seja, o Wine Pairing pode ser um problema, mas o verdadeiro problema não é o Wine Pairing, é a quantidade de álcool que se ingere.
Depois, outra questão relevante é a condução automóvel – a condução automóvel é a principal inimiga do Wine Pairing. Embora, neste caso, a tendência de futuro seja favorável ao vinho, com a generalização dos táxis e das plataformas eletrónicas, com muitos dos melhores restaurantes a estarem integrados em hotéis, com os restaurantes de rua mais gastronómicos a encontrarem facilidades de alojamento para os seus clientes, mesmo estando em sítios recônditos – por exemplo, ainda na outra semana soubemos que o FERRUGEM do chefe Renato Cunha, junto a Famalicão, no Minho, tem agora lá na aldeia uma solução de alojamento a somente 50 metros do restaurante.
Outra desvantagem significativa do menu de degustação de vinhos a copo para acompanhar a comida é o preço. De tal forma, aliás, que quantas mais pessoas estiverem à mesa, mais compensa não fazer o menu de vinhos pré-determinado pelo restaurante e escolher antes o vinho – os vários vinhos – à carta.
De qualquer forma, apesar destas dificuldades, a tendência não é “o fim do Wine Pairing”.
Pelo contrário, as grandes refeições, as mais importantes, as mais especiais, precisam sempre de vinho, de vários vinhos.
De modo que, qualquer que seja o conceito de Wine Pairing, a tendência não é “o fim do Wine Pairing”!
O vinho é o futuro.
E o futuro do vinho é a mesa.
Naturalmente, devidamente harmonizados, de acordo com as melhores práticas – algo essencial, claro, mas que não cabe agora desenvolver.
Aqui, o que importa dizer é que o Wine Pairing é o futuro!
Os grandes vinhos bebem-se à mesa!
E em 2020 vão continuar a beber-se à mesa!
Fotografias: Marta Felino e Raul Lufinha
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