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Memórias do KADEAU

por Raul Lufinha, em 15.04.20

KADEAU

Primavera de 2018

O KADEAU fechou definitivamente em março de 2020 – apesar de ter encerrado para prevenir a propagação do coronavírus, acabou por abrir falência ainda nesse mesmo mês.

Todavia, no início de 2018 – quando meio mundo gastronómico foi até Copenhaga para conhecer a reinvenção do NOMA 2.0 e a primeira Seafood Season de René Redzepi – o então único novo duas estrelas dinamarquês era o outro restaurante-sensação do momento.

Tinha acabado de ser a grande novidade dinamarquesa no Guia Michelin dos países nórdicos de 2018.

E estava pela primeira vez no top 100 dos The World’s 50 Best Restaurants.

Um feito que, verificaríamos nos anos seguintes, não mais conseguiria repetir – ao contrário, aliás, das duas estrelas, que ainda tornou a receber em 2019 e 2020.

Porém, apesar de o KADEAU ter efetivamente atingido o ponto mais alto da sua história no ano de 2018, tudo tinha começado mais de uma década antes, quando, em 2007, três amigos de infância resolveram abrir um despretensioso restaurante de praia na pequena e remota ilha dinamarquesa de Bornholm, algures a sul da Suécia e a norte da Polónia, em pleno Mar Báltico. Tendo a sua vida mudado completamente no ano seguinte quando, inspirados no sucesso do NOMA, resolveram seguir a ideologia da Nova Cozinha Nórdica… aplicando-a, porém, não a toda a Escandinávia, mas somente ao microterritório da sua própria ilha! Nicolai Nørregaard – que nunca recebeu formação específica, tendo apenas aprendido com os chefes que os três amigos foram contratando no início do projeto – acabou por ficar à frente da cozinha, impondo um estilo muito próprio, belo e minimalista, focado essencialmente nas técnicas de conservação dos produtos selvagens que apanhavam na ilha de Bornholm durante o verão. O sucesso foi tão grande que acabaram por abrir um segundo restaurante, na capital, que depressa se transformou no primeiro. Ambos chegaram às estrelas, e o de Copenhaga até às duas. Mas o princípio de ambos os KADEAU – o da ilha e o da capital – foi sempre o mesmo: celebrar os produtos e os sabores da ilha de Bornholm!

Aqui ficando uma recordação do que era o KADEAU COPENHAGEN na primavera de 2018. Apesar de terem saído então algumas fotografias no Instagram do Mesa do Chef, tal ainda não tinha sucedido aqui no blog. E, de facto, as redes sociais, com o seu fulgurante e quase instantâneo imediatismo, têm, porém, o grande inconveniente de já não funcionarem tão bem como arquivo, como registo do passado, como memória para o futuro.

 

KADEAU

KADEAU COPENHAGEN | Muita luz. Minimalismo nórdico. Menu único.

 

KADEAU

Sorrel, cowslip and rosehip bitters | Apresentado como sendo “para relaxar!”, o primeiro momento do menu de degustação do KADAEU é um refrescante e levemente floral ‘cocktail’ de azedas. Preparado na mesa. Não-alcoólico. Frio. E com ‘bitters’ de flores da dinamarquesa ilha báltica de Bornholm.

 

KADEAU

Kohlrabi, black currant leaf, Norway spruce and blue mussels | Rábano, avinagrado e com a acidez da baga. Sendo finalizado na mesa com um caldo de mexilhões da ilha de Bornholm, frio e igualmente avinagrado.

 

KADEAU

Squid, cockles and lady’s bedstraw | Deliciosa tosta ‘bite-size’, bem estaladiça, com finas fatias de lula e com uma emulsão de berbigão, bem como com bagas e flores da ilha de Bornholm, sendo finalizada com óleo de “lady’s bedstraw” no topo. Imensa crocância. Muita acidez. Leve toque doce no final.

 

KADEAU

Preserved vegetables, elderflower and cherry blossom | Diversos vegetais de Bornholm fermentados e com um sabor avinagrado, nomeadamente couve kale, daikon e rutabaga. Sendo finalizado na mesa com um caldo de tomate fermentado, que leva um toque de óleo de flor de cerejeira.

 

KADEAU

Oyster, black currant shoots and green strawberry | Indiscutivelmente, ainda hoje, das melhores ostras trabalhadas de sempre! Uma ostra carnuda e saborosa; acompanhada de uma avinagrada emulsão de ostra; de um bem crocante crumble de batata, previamente frita; de morangos verdes, em pickle; e, ainda, de rebentos e flores de groselha negra.

 

KADEAU

Smoked salmon, orpine and raspberry | O clássico salmão fumado do chef Nicolai Nørregaard, sempre um ponto alto dos menus do KADEAU. Sendo fumado a frio e a quente – seis horas no frio, uma hora no calor. Muito saboroso. Bastante untuoso. Nada seco. E a desfazer-se na boca. Variando depois o tempero dado na mesa. Que desta vez – explicaram – não foi com ameixa, como vinha no menu, mas com framboesa, ou seja, com um caldo de framboesas fermentadas. E com pequenas folhas de ‘orepine’ selvagem apanhadas na ilha de Bornholm, no topo. Um conjunto essencialmente fumado. Tendo sido efetivamente o primeiro prato desta noite em que – embora presente – não predominou o avinagrado sabor da fermentação!

 

KADEAU

Roasted bread, herb butter infused with cherry wood embers | Pão de espelta – ainda quente – e manteiga de ervas.

 

KADEAU

Cozinha aberta | Sem barreiras entre a sala e a cozinha.

 

KADEAU

King crab, tomato, whey caramelised cream and sugar kelp | Continuando num registo não-avinagrado, mais um grande momento. Tartelete crocante de king crab. Com diversas variedades de tomate bem maduro, semi-desidratado e marinado em óleo de kelp, ficando muito saboroso e untuoso! Para comer à mão, sem talheres.

 

KADEAU

Scallop, horseradish and scots pine flowers | Vieira, crua e fria, marinada numas leves natas de raiz-forte, mexilhões secos e flores de pinheiro selvagem. Novamente sem avinagrados – sabores lácteos e caramelizados!

 

KADEAU

Celeriac, Havgus, white asparagus and wood ants | Aipo, que esteve cinco horas ao lume; queijo dinamarquês Havgus, fundido; e formigas, muito cítricas e também com um toque amadeirado. Sendo finalizado na mesa com um cremoso molho de espargos fermentados, amanteigado e bastante acidulado. Além de que, se desviarmos as formigas para a borda do prato, percebemos muito melhor o que estamos a comer...!

 

KADEAU

2015 Peter Jakob Kühn, Quarzit, Riesling trocken | Biológico e biodinâmico. Um Riesling bem seco e mineral, com ótima acidez.

 

KADEAU

Duck, beets, pumpkin and lyme grass | Pato, com duas semanas de maturação. Tendo no topo uma cremosa e acidulada “crosta” de beterraba, seca e reidratada em manteiga. Sendo acompanhado por beterraba e por uma finas fatias de abóbora. E finalizado com um perfumado molho de ameixa e óleo de lemongrass.

 

KADEAU

Pork, ramson and bone marrow | Porco, com pelo menos sessenta dias de maturação. E ramson, frito e grelhado. Sendo tudo finalizado na mesa com um molho de carne feito com galinha e tutano. Um prato com um enorme perfume... a alho!

 

KADEAU

Apple, quince and woodruff | Uma tarte de maçãs cozidas numa calda de marmelo. Acompanhada por natas ácidas infusionadas com woodruff, planta silvestre da ilha de Bornholm.

 

KADEAU

Crème fraîche, berries from the garden and schnapps | Crème fraîche, denso e de sabor intenso. Diversas bagas, primeiro inteiras, maceradas em mel, e depois em calda. Sendo tudo depois, no fim, pincelado com schnapps.

 

KADEAU

Mignardises | Para terminar, dois doces momentos… lácteos!

 

KADEAU

Último adeus | De facto, há muitos restaurantes cuja primeira visita – infelizmente – é a última vez que lá conseguimos ir. Resta-nos, porém, a memória de termos sido muito felizes no KADEAU!

 

Fotografias: Marta Felino / Raul Lufinha

Ver também:

 

KADEAU Copenhagen

Wildersgade, 10B, Copenhaga, Dinamarca

Chef Nicolai Nørregaard

 

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publicado às 23:06


2 comentários

De Anónimo a 15.04.2020 às 23:45

Dificil entender como o Kadeau em Copenhaga chegou a ser um dois estrelas, quando o Kadeau original na ilha de Bornholm, a um voo de 45 minutos de Copenhaga, com uma oferta bem mais genuína e interessante sempre se ficou por uma estrela...

Mas em matéria de insolvências, estou mais curioso em saber quais é que o Raul "aposta" que serão os primeiros em Portugal a fechar (ou melhor, a não reabrir portas)? Imagino que, infelizmente, não faltem candidatos...

De Raul Lufinha a 16.04.2020 às 00:14

1) Infelizmente, não conheci o da ilha. Mas a partir de certa altura a prioridade deles passou assumidamente a ser o de Copenhaga, não o de Bornholm, que era sazonal. O que foi aliás reconhecido também, quer pela Michelin, quer pelos 50 Best, que sempre classificaram melhor o de Copenhaga.

2) As duas estrelas do KADEAU COPENHAGEN são justas. O que já não se percebe é que tenha as mesmas estrelas do NOMA…

3) Espero que reabram todos! E mais aqueles cuja inauguração estava prevista agora para a primavera!

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