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Épica prova de vinhos antigos do Dão, dos anos 50 a 90

por Raul Lufinha, em 06.09.18

Enólogo José Carvalheira, Enólogo Paulo Nunes, Eng. José Paulo Dias, Eng.ª Vanda Pedroso

Enólogo José Carvalheira, Enólogo Paulo Nunes, Eng. José Paulo Dias, Eng.ª Vanda Pedroso

No âmbito da Feira do Vinho do Dão de 2018, que decorreu na vila de Nelas, o Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão promoveu uma prova dos seus vinhos mais raros e antigos.

Tendo abrangido os brancos e os tintos, produzidos no centro, dos anos 50 a 90 do século XX – uma colheita por década.

A seleção foi efetuada pelos enólogos Paulo Nunes (muito elogiado pelo seu trabalho na Casa da Passarella) e José Carvalheira (que já tínhamos assistido a conduzir uma prova de vinhos antigos das Caves São João, brancos e tintos).

E teve, esta prova, como objetivo, não apenas mostrar o que foi o Dão – uma região com 110 de anos história, dos quais mais de metade representados nesta prova – mas também, e principalmente, o que poderá ser o Dão e quais os melhores caminhos para o futuro da região.

Como habitualmente, primeiro foram provados os brancos e só depois os tintos.

Tendo-se começado, porém, pelo vinho mais antigo, até se chegar ao mais recente.

E o resultado foi absolutamente memorável.

Conforme comentou Paulo Nunes, que conduziu a prova, «foram momentos únicos, que se têm uma vez na vida!»

«São vinhos que nos esmagam!»

De facto, o primeiro branco, de 1958, com uns inacreditáveis 60 anos de idade (!), extremamente complexo, apresentava ainda uma acidez surpreendentemente vibrante, crocante mesmo. Tendo sido obtido a partir de nove castas: Malvazia Fina, Encruzado, Bical, Cercial Branco, Gouveio, Barcelo (a variedade mais importante no Dão em meados do século passado!), Uva Cão, Terrantez e Rabo de Ovelha. Com efeito, quantos de nós chegaremos aos 60 anos? E quantos de nós chegaremos aos 60 anos com este vigor?

Entrando nos pormenores mais técnicos, Paulo Nunes explicou que este 1958, tal como os seguintes, foi vinificado com engaço e promovendo a oxidação – o oposto daquilo que nos últimos tempos é mais habitual fazer-se em enologia. Tendo acrescentado que hoje é comum os enólogos procurarem o ponto de maturação e fazerem depois o blend na adega – enquanto antigamente se usava antes a co-fermentação. Continuarão afinal válidas as práticas antigas que entretanto foram sendo consideradas ultrapassadas?

Passando para o segundo copo, da década de 60 foi provado um ano mítico – 1963. Novamente, um branco que não mostra a idade que tem. Em grande forma, apresenta um salitre muito característico e também um ligeiro amargor – será de ser vinificado com engaço? – que funciona muito bem à mesa e lhe dá imensa vida! Como comentou Paulo Nunes, «muitas vezes foge-se dos amargores e da adstringência… mas se calhar não é esse o caminho!»

Já o de 1974, com uma ótima acidez, levou a que a sala discutisse a importância das castas que podem dar um ‘tempero’ ao vinho – por exemplo, aqui no Dão do Centro de Estudos, a Uva Cão e a Terrantez são as que aportam ao lote uma maior acidez.

Avançando, como o branco dos anos 80 não estava disponível, a primeira parte da prova terminou com o 1995, um vinho completamente diferente dos três anteriores, com notas e sensações muito mais atuais, mais aromático – sentia-se inclusivamente o apetrolado típico dos melhores Riesling e dos Alvarinhos velhos.

De seguida, passou-se para os tintos.

E o primeiro foi o 1958. Novamente, um vinho com 60 anos! Extremamente complexo! Mas com imensa cor! Não estava acastanhado, como muitas vezes sucede com os vinhos mais antigos! E tinha tanta fruta! Passados 60 anos, continuava carregado de aromas primários! Tendo 12,7% de álcool, uma acidez de 7,1 g/l e um pH de 3,1. Quanto ao encepamento, foi obtido a partir de Touriga Nacional, Bastardo, Tinto Cão, Alfrocheiro, Alvarelhão, Trincadeira, Jaen e Rufete. Não houve desengace. E fermentou nos lagares sem qualquer controlo de temperatura, a 33 - 35 ºC…!

Para o tinto da década de 60, a escolha recaiu novamente no mítico ano de 1963. Mas desta vez – e foi o único caso nesta prova – Paulo Nunes optou por um monovarietal, para mostrar o que é (e como é) a verdadeira Touriga Nacional do Dão: viva, com imensa frescura, com enorme complexidade… e sem ser aborrecida! Muitas vezes encontramo-la muito exuberante aromaticamente, com grande concentração e até com uma cor azulada. Mas o Dão também consegue fazer vinhos só de Touriga Nacional elegantes e equilibrados! E que, mais de meio século depois, continuam em grandessíssima forma!

Com o 1974 regressámos a um vinho de lote – estava muito vivo, a sentirem-se os taninos!

O de 1983 continua muito jovem e ainda mantém a componente aromática.

E finalmente o de 1996, que não parece já ter uns inacreditáveis 22 anos!

Foi uma prova memorável.

Repleta de vinhos que desafiam a lógica do tempo.

E que desafiam também o modo como atualmente se faz e se pensa o vinho.

Conforme disse Paulo Nunes, «estes vinhos do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão são um verdadeiro tratado de enologia!»

Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão

Vinhos produzidos nas décadas de 50 a 90 do século XX…

Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão

… no Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão…

Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão

… em Nelas…

Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão

… numa prova conduzida pelo enólogo Paulo Nunes

 

1 – BRANCOS

Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão

1958

Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão

1963

Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão

1974

Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão

1995

 

2 – TINTOS

Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão

1958

Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão

1963

Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão

1974

Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão

1983

Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão

1996

 

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publicado às 00:29


2 comentários

De Anónimo a 17.09.2018 às 01:00

O 74 estava oxidado? Parece ter uma cor diferente dos outros.

De Raul Lufinha a 17.09.2018 às 08:29

Não.
Não sei se se está referir ao branco ou ao tinto, mas nenhum deles estava oxidado.
Estavam ambos evoluídos, com é natural em vinhos com mais de 40 anos, mas em perfeitas condições, muito vivos.
E, também em ambos os casos, parecendo muito mais jovens!

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