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Tronco Atoca assinado pelo chefe pasteleiro Patrice Demers
Este ano, o convidado da LADURÉE para criar as edições especiais de Natal – que são disponibilizadas em exclusivo nas lojas da casa francesa um pouco por todo o mundo – foi Patrice Demers, conceituado chefe pasteleiro canadiano, autor de diversos livros e programas de televisão, que em 2014 abriu o seu próprio espaço de autor em Montreal, no Quebeque, PATRICE PÂTISSIER.
Destacando-se, de entre todas essas criações para a LADURÉE, um original tronco de Natal de assinatura.
Que recebeu o nome do seu principal ingrediente, “Atoca” – antiga designação de “canneberge” ou “cranberry”, baga encarnada conhecida em Português como “arando”.
E que foi concebido a partir dos típicos sabores de inverno do Canadá – tão difíceis, aliás, de encontrar do lado de cá do Atlântico.
Com efeito, inspirado nas suas memórias de infância, Patrice Demers recuperou o arando, sempre presente nos molhos que acompanhavam os pratos tradicionais dos jantares de família nas noites de Natal.
E depois, para compensar a elevada acidez desta baga tipicamente canadiana, o chef escolheu um outro ingrediente emblemático do Quebeque, bastante mais doce: o “maple syrup” ou xarope de ácer.
Tendo utilizado ainda a noz-pecã.
E também o trigo-sarraceno – na massa; no chantilly, através de uma infusão; e tostado, para dar crocância – o que acentua o sabor a noz e a frutos secos do conjunto.
Bem como, claro, o chocolate – neste caso, uma sedosa mousse de chocolate do Caribe com 66% de cacau.
Uma excelente sobremesa!
E também o reencontro com os sabores do Canadá.
Feliz Natal!
Tronco Atoca – versão individual
Fotografias: Marta Felino
LADURÉE LISBONNE FASHION CLINIC
Avenida da Liberdade, Tivoli Fórum, 180, Loja 5-A, Lisboa, Portugal
Chef Joaquim de Sousa
No Natal, a “sando” não tem “katsu”...
... mas antes bacalhau fresco
Na MUSA DA BICA a carta é pequena, mas versátil.
E até há especialidades do dia que vão variando ao sabor da inspiração da chefe.
Contudo, para este Natal, Leonor Godinho quis fazer algo diferente.
Quis trazer o espírito do Natal para a própria carta da MUSA DA BICA.
Mas mantendo a identidade da sua cozinha!
Para tal, resolveu pegar num dos produtos mais típicos desta quadra – o bacalhau!
E, com ele, recriar a sua afamada Katsu Sando!
De modo que lhe retirou então o “Katsu”, ou seja, o porco – a sandes era feita com pluma de porco.
E substituiu-o por bacalhau – bacalhau fresco!
Tudo o resto manteve-se igual.
O kimchi caseiro, feito pela chefe.
O pão de brioche da padaria artesanal TERRA PÃO, no bairro de Arroios, em Lisboa.
E o próprio panado!
Com efeito, o bacalhau fresco vinha panado!
Panado, tal e qual como acontecia com a pluma de porco!
E a desfazer-se na boca.
Claro que não tinha aquela gordura tão típica da carne de porco – e tão saborosa.
Mas tinha a untuosidade do bacalhau!
E tinha também – revelando a mão da chefe – aquele sabor a sal de que os portugueses tanto gostam!
É que o bacalhau, apesar de ser fresco, não estava insonso nem insípido!
Sabia mesmo a sal – sabia ao nosso bacalhau salgado seco, sabia ao nosso bacalhau de cura tradicional portuguesa.
Efetivamente, não era tanto pelo sabor mas muito mais pela cor (branca) e pela textura (menos firme) que se percebia logo que estávamos perante bacalhau fresco!
Tendo sido um grande momento, um grande momento de bacalhau!
Pão da TERRA PÃO e três manteigas caseiras da MUSA DA BICA: com tomate seco, com ervas finas e com farinheira
Musa Dolly Porter - Imperial Coffee Porter / Batatas fritas caseiras – sempre quentes e acabadas de fritar – com maionese de chipotle
Musa Dolly Porter - Imperial Coffee Porter / Reuben - sandes de pastrami caseiro, com chucrute e queijo suíço, em sourdough da TERRA PÃO tostado
Tendo esta “sando” especial de Natal da chefe Leonor Godinho – bem como a Reuben, aliás – ligado muito bem com a nova Dolly Porter da Musa.
Que, na MUSA DA BICA, também está disponível “on tap”.
Sendo uma Imperial Coffee Porter.
Ou seja, uma Imperial Porter, com 7,5% de álcool, à qual foram adicionados grãos de café Yellow Bourbon do Brasil torrados em Marvila pelos “coffee roasters” The Royal Rawness.
Uma cerveja forte, mas muito sedosa e elegante.
Sem excesso de amargor.
E com as notas de café muito presentes!
Fotografias: Marta Felino e Raul Lufinha
Ver também:
MUSA DA BICA
Calçada Salvador Correia de Sá, 2, Lisboa, Portugal
Chef Leonor Godinho
Miguel Marques, o vencedor da edição de 2019
A Revolta do Bacalhau é um concurso promovido pelo Recheio Cash & Carry, pelo NSC - Conselho Norueguês da Pesca e pelas Edições do Gosto, com o objetivo de premiar as melhores receitas de bacalhau salgado seco da Noruega.
Já vai na 15.ª edição.
E este ano teve a particularidade de, na categoria dos “Cozinheiros Profissionais”, os três finalistas pertencerem a restaurantes distinguidos pelo Guia Michelin.
O vencedor foi Miguel Marques, da equipa de Ricardo Costa no THE YEATMAN (2** em Gaia) e que já passou pelo VILA JOYA.
Em segundo lugar ficou Jeferson Dias, que integra a brigada de Louis Anjos no BON BON (restaurante com 1* entre Lagoa e o Carvoeiro) após ter passado pelo GRANDE REAL VILLA ITÁLIA.
E em terceiro ficou Pedro Rodrigues, um ex-THE YEATMAN que já tínhamos encontrado aqui e que está atualmente no FIFTY SECONDS MARTÍN BERASATEGUI (novo 1* em Lisboa) cujo chefe executivo é Filipe Carvalho.
Os 3 finalistas: Miguel Marques (1.º), Pedro Rodrigues (3.º) e Jeferson Dias (2.º)
Quanto ao júri, foi novamente presidido pelo chefe Hélio Loureiro.
E composto ainda pelos chefes Hélder Diogo, Joana Duarte (TAPISCO), João Oliveira (VISTA), Rui Silvestre (VISTAS) e Vítor Adão (PLANO).
O júri
Vítor Adão, Hélio Loureiro (presidente), Joana Duarte, Rui Silvestre, João Oliveira, Hélder Diogo
Este ano, a final nacional da Revolta do Bacalhau decorreu no Espaço Espelho d'Água, em Lisboa.
E o formato foi diferente dos das últimas edições.
Todavia manteve-se a sua caraterística mais interessante: a possibilidade, dada a todos aqueles que assistem à final, de provar os pratos de cada um dos três concorrentes da categoria dos “Cozinheiros Profissionais”, antes de, no fim do jantar, o júri anunciar os vencedores.
Com efeito, os finalistas – um de cada vez – começaram por preparar na cozinha os pratos que submeteram à apreciação do júri.
Porém, de seguida, enquanto o júri degustava e deliberava à porta fechada, cada um dos concorrentes veio até à sala – um de cada vez – para uma rápida sessão de showcooking em que finalizou e empratou a versão de degustação do seu prato, que foi depois servida de forma volante.
Sessões essas de cozinha ao vivo que foram uma novidade e que se revelaram muito interessantes.
Mas que ganhariam se fosse dada aos concorrentes a possibilidade de fazerem previamente uma breve apresentação pública do seu prato.
“Bacalhau salgado seco da Noruega escondido na couve-flor” (Miguel Marques, 1.º lugar)
“Bacalhau salgado seco da Noruega em memória de mão de vaca e grão” (Jeferson Dias, 2.º lugar)
“Bacalhau salgado seco da Noruega, do passado ao presente” (Pedro Rodrigues, 3.º lugar)
Degustados na sala, os três pratos estavam todos muito bons – todos eles!
Três grandes pratos de bacalhau!
De tal forma que, pelo que pudemos ver e ouvir, a sala estava divida sobre quem deveria ser o vencedor.
Inclusivamente, depois da degustação e ainda antes do anúncio dos resultados, tivemos oportunidade de perguntar ao presidente do júri, perante estes concretos pratos, qual tinha sido o principal critério de decisão, o que é que tinha feito a diferença para a escolha ter sido a que iria ser anunciada alguns minutos depois.
E a resposta de Hélio Loureiro foi imediata, nem precisou de pensar:
«O sabor!!!»
Porém, a verdade é que todos os pratos tinham imenso sabor!
E, para quem estava na sala a assistir, os três souberam mesmo muito bem!
Pelo que, indiscutivelmente, estes concursos não são apenas uma mera questão técnica, são também uma questão de gosto, de gosto do júri – gosto em sentido amplo, gosto no sentido daquilo que o membro do júri mais valoriza na abordagem que faz a estes pratos.
De qualquer forma, como nos contou Hélio Loureiro, a escolha do júri foi unânime.
Tendo a preferência recaído no “Bacalhau salgado seco da Noruega escondido na couve-flor” de Miguel Marques.
Um prato em que o objetivo do cozinheiro do THE YEATMAN – plenamente atingido, aliás – foi o de demonstrar que “menos é mais”!
Foi o de provar que com apenas três ingredientes é possível fazer um grande prato de bacalhau!
Ou seja, com bacalhau, claro – o bacalhau salgado seco da Noruega é a proteína obrigatória do concurso.
Com couve-flor, a tal onde se escondia o bacalhau, como se dizia no nome do prato. Efetivamente, para além de um bem castanho (e muito saboroso) puré de couve-flor com manteiga noisette, havia também umas finíssimas fatias de couve-flor a cobrir o bacalhau, sobre as quais Miguel Marques ralou no fim amêndoa torrada.
E ainda – terceiro ingrediente – com cebola! Tão discreta que nem sequer do nome do prato consta! E, aliás, à primeira vista nem parecia cebola! Parecia esparguete! Porém, aquela afinal falsa pasta, que estava ao lado do bacalhau e do puré, era mesmo cebola! E estava amarela porque Miguel Marques lhe juntou filamentos de açafrão – que deram cor… e sabor! Tendo no topo zest de limão!
De facto, só por si, isto já era um grande prato de bacalhau!
Porém, certamente para compensar este lado audaz e minimalista da sua receita, Miguel Marques juntou-lhe ainda, à parte, um rissol!
Mas não era um rissol qualquer!
Fazendo a ligação com o prato, tinha um recheio de puré de couve-flor… e ainda de língua e caras de bacalhau!
Ao qual Miguel Marques arriscou – e bem – dar um toque picante, acrescentando-lhe então Tabasco Verde!
Excelente!
“Bacalhau salgado seco da Noruega escondido na couve-flor” (Miguel Marques, 1.º lugar) – versão de degustação
“Bacalhau salgado seco da Noruega em memória de mão de vaca e grão” (Jeferson Dias, 2.º lugar) – versão de degustação
“Bacalhau salgado seco da Noruega, do passado ao presente” (Pedro Rodrigues, 3.º lugar) – versão de degustação
Em segundo lugar ficou o prato de Jeferson Dias, “Bacalhau salgado seco da Noruega em memória de mão de vaca e grão”, com o cozinheiro do BON BON a apostar nos sabores tradicionais – fortes e profundos – e em que a grande surpresa foi ter um toque ligeiramente doce!
E na terceira posição ficou a arrojada criação de Pedro Rodrigues “Bacalhau salgado seco da Noruega, do passado ao presente”.
Arrojada, não apenas em termos de sabores mas também visualmente – era o mais bonito dos três pratos – e, em especial, em termos de texturas.
Tendo-nos feito pensar na muitas vezes subestimada mas sempre decisiva importância da loiça e dos talheres para que a experiência resulte plenamente.
Com efeito, como se vê nas fotografias, tirando a (ótima) língua de bacalhau panada, os acompanhamentos da posta de bacalhau do cozinheiro do FIFTY SECONDS eram cremosos, quase líquidos.
Ora, na versão de degustação, servida num pequeno prato côncavo que mais parecia uma taça, o que sentimos falta foi apenas o não existir uma colher para apanhar todos aqueles saborosíssimos líquidos.
Não sentimos qualquer necessidade de que o conjunto tivesse elementos mais sólidos, apenas gostaríamos de ter tido uma colher, para poder desfrutar do prato como ele merecia.
Porém, não sei como terá sido a experiência do júri.
Mas receio que – para além da questão da colher versus acompanhamentos mais sólidos – a opção do concorrente pela apresentação desta criação ao júri num prato praticamente raso também possa não ter ajudado.
Miguel Marques (1.º lugar)
Jeferson Dias (2.º lugar)
Pedro Rodrigues (3.º lugar)
A Revolta do Bacalhau não é, no entanto, um concurso dedicado somente aos cozinheiros profissionais.
Existem, ainda, mais duas categorias.
Uma é para “Estudantes de Cozinha”.
Na qual triunfou Ruben Cardoso (Dual Qualificação Profissional) com uma “Açorda de bacalhau salgado seco da Noruega aromatizado com dill”.
Em segundo lugar ficou Marcos Sousa (Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve) com “Os grelos de bacalhau salgado seco da Noruega”.
E, em terceiro, Bruna Ferreira (Escola Profissional do Vale do Tejo) com “Bacalhau salgado seco da Noruega e as texturas do mundo”.
Ruben Cardoso (ao centro), vencedor da categoria “Estudantes de Cozinha”, com Marcos Sousa (esq.) e Sérgio Gomes (dta.)
A terceira categoria a concurso – para além da dos cozinheiros profissionais e da dos estudantes de cozinha – é a dos “Restaurantes”.
Com Diploma de Ouro (pontuação acima dos 90 pontos) foram distinguidos BACALHAU & AFINS (Aveiro), BARÃO DE FLADGATE (Gaia), CANTINHO DA SOTA (Coimbra), FERRUGEM (do chef Renato Cunha, Famalicão), GALANTE (Figueira da Foz), GRANADA (São Martinho do Porto), HOTEL DUNA MAR (Monte Gordo), ORIGENS (do chef Gonçalo Queiroz, Évora), SETE (Coimbra) e TSUKIJI (do chef Paulo Morais, Lisboa).
Tendo o grande vencedor sido o GRANADA, do chef Eulitério Afonso, com “Bacalhau salgado seco da Noruega, puré de chícharo, gema confitada e espuma de coentros e lima”.
O Diploma de Prata foi para os restaurantes A ESTRELA DA MÓ (São Miguel de Poiares), ALKIMYA (Covilhã), CAFÉ NICOLA (Figueira da Foz), CASA CHEF VICTOR FELISBERTO (Alferrarede), DOTE CERVEJARIA (Lisboa), MESA REAL (Bussaco), O BUKE (Pampilhosa da Serra), PALATIUM no Pestana Palácio do Freixo (Porto), PALATIVM (São Silvestre), SENSES (Lagos), VERDURE RESTAURANTE (Quinta do Conde), VILLA LAUSANA (Lousã) e XISTO (Louçainha).
Receberam ainda Diploma de Bronze os restaurantes FONTE D’OURO (Valença), LA TERRAZA (Lagos), QUINTA DO PRÍNCIPE (Chaves), RESTAURANTE VESTIGIUM (São Bartolomeu de Galegos) e VAL MOREIRA (Armamar).
GRANADA, em São Martinho do Porto, o vencedor da categoria “Restaurantes”
Por fim, uma referência para os simpáticos prémios atribuídos aos vencedores.
Com efeito, o cozinheiro profissional, o estudante de cozinha e o restaurante mais bem classificado da sua categoria recebeu uma entrada no Congresso dos Cozinheiros 2020, uma assinatura anual da revista INTER Magazine e, ainda, uma estimulante viagem de formação à Noruega, com uma duração mínima de quatro dias, e que inclui transporte, alojamento e alimentação.
Parabéns a todos!
Miguel Marques ganhou uma viagem à Noruega
Ver também:
Scala Coeli tinto 2016 (Alicante Bouschet)
Agora está na moda os produtores alentejanos fazerem os seus topos de gama – ou seja, os vinhos que melhor os representam – a partir exclusivamente de Alicante Bouschet.
Sendo, aliás, habitual ouvi-los dizer que esta é uma casta já “alentejana de adoção” ou até “a casta rainha do Alentejo”.
De modo que é muito interessante verificar que a Fundação Eugénio de Almeida - Adega Cartuxa – pelo menos, por enquanto – vai por um caminho diferente.
Também tem um varietal de Alicante Bouschet.
E de perfil premium.
Mas coloca-o antes sob a marca Scala Coeli.
Isto é, sob a outra marca topo de gama da Cartuxa, aquela dedicada ao vinho produzido a partir das melhores vinificações do ano, mas de castas “estrangeiras” ao Alentejo!
Castas, portanto, não-tradicionais ou pouco utilizadas na região ou introduzidas há relativamente pouco tempo, sejam elas portuguesas ou estrangeiras.
O que significa que a Fundação Eugénio de Almeida - Adega Cartuxa assume, claramente e sem rodeios, que a casta Alicante Bouschet não é alentejana, não é uma casta tradicionalmente alentejana!
Tal como não o é a Touriga Nacional, a Petit Verdot, a Syrah ou a Cabernet Sauvignon, só para citar varietais Scala Coeli já lançados pela Cartuxa.
Mas isso, contudo, não a impede de trabalhar – e bem – esta variedade de uva.
Que, para além de estar presente a solo no Vinho de Talha, faz também parte de muitos dos seus lotes de tintos – embora não entre no icónico Pêra-Manca, elaborado habitualmente apenas a partir de Trincadeira e Aragonez.
Mas mais!
Quando o ano o permite, a Alicante Bouschet está igualmente no melhor vinho das castas “não-alentejanas”!
Ou seja, no Scala Coeli – que, não por acaso, significa “escada para o Céu” em latim.
Já tinha acontecido na colheita de 2013.
E agora torna a acontecer com o 2016, assinado mais uma vez pelo enólogo Pedro Baptista.
Um vinho esplendoroso!
Bastante concentrado e poderoso, mas com imensa frescura – muito bosque, muita resina, não é só fruta preta, também tem um lado vegetal.
Porém, desde já, com 16 meses de garrafa após 16 meses de barrica, num registo não rústico mas de enorme finesse e elegância.
Tendo sido produzido em pequena quantidade – são apenas 6500 garrafas numeradas.
E com um PVP de 58 € – ótimo preço, desde logo, quando comparado com o Pêra-Manca tinto.
Sendo, pois, novamente, uma autêntica escada… do Alentejo para o Céu!
Só ficando uma dúvida.
Com cada vez mais produtores alentejanos a fazer alguns dos seus melhores vinhos a partir exclusivamente de Alicante Bouschet – como sucede também com este Scala Coeli 2016 da Fundação Eugénio de Almeida - Adega Cartuxa – será que no futuro, daqui a 20, 50, 100 anos, ainda vai ser possível dizer que a Alicante Bouschet é uma casta “pouco Alentejana”?
Ou não será que o Alicante Bouschet, num registo mais ou menos rústico, vai entretanto passar a ser (se é que já não é) um perfil tipicamente alentejano?
100% Alicante Bouschet
Escada para o Céu
2016
O chef Konstantin Filippou não estava esta noite no restaurante, mas deixou-nos um simpático postal personalizado
Konstantin Filippou define-se como sendo “um grego austríaco”.
E, de facto, sente-se na sua cozinha essa dificuldade de pertença.
Não é cozinha austríaca. Mas também não é grega. É única – diferente, criativa, original. Mas com uma caraterística muito presente: anda sempre fora da zona de conforto. Com combinações desafiantes, não imediatas. Sabores fortes. Muitos caldos. Pratos construídos em camadas. Complexos jogos de texturas. E uma constante busca do umami.
Ao jantar, no restaurante KONSTANTIN FILIPPOU, só há menu de degustação. E é apenas de peixe e marisco – existem pequenos apontamentos de carne em alguns pratos, mas são mesmo só isso, pequenos apontamentos. Terminando tudo em crescendo, com três marcantes sobremesas.
Fica no centro de Viena.
E tem duas – muito merecidas – estrelas Michelin.
A mesa virada para a cozinha
1.º snack | Atum Bonito. Gaspacho de tomate. Com pérolas crocantes de tinta de choco. E com um molho de soja já com 5 anos. Tépido. Especiado. Muito umami. Nada avinagrado.
2.º snack | Cubos de cavala marinados, escondidos sob umas finas fatias de rabanete amarelo fermentado e avinagrado que tinham no topo sementes de mostarda. E molho de ameixa. Um conjunto avinagrado e nada doce, apesar da fruta.
Sommelier Nikolai Prachensky
2017 Rita & Rudolf Trossen Schieferblume Trocken Riesling
3.º snack | Tartelete de ovo de codorniz, com molho de funcho e ouriço-do-mar, e tendo no topo uma espuma de beurre blanc. Para comer de uma só vez. Recheio líquido e quente. Ficando na boca o intenso sabor do ovo, do funcho e da manteiga, bem como o iodado do ouriço-do-mar. Excelente!
Crayfish. Rice. Asparagus. Balsamic vinegar. | O primeiro dos seis pratos do menu. Lagostim num caldo quente. Com um custard de espargos brancos na base. Mais pérolas de vinagre balsâmico. E arroz crocante.
Red mullet. Hazelnut. Mushroom. Truffle. Marrow. | Salmonete. Diversas variedades de cogumelos. Trufa negra. Tutano. Avelã em espuma e também crocante, no topo. Um prato de mar cheio de sabores terrosos!
Ora King. Shiso. Saffron. Kohlrabi. | O extraordinário salmão Ora King neozelandês. Couve-rábano marinada. Caviar de truta. Óleo de shiso. Molho de açafrão. Um prato quente. Grande momento de Konstantin Filippou!
Andert Laerchenfeld 2011 | Excelente sugestão do Sommelier Nikolai Prachensky para o prato da truta, um poderoso e equilibrado lote de Cabernet Sauvignon e Zweigelt, com uma acidez vibrante!
Unagi. Mangalitza. Mustard. Fennel. | Enguia fumada, glaceada na gordura do porco Mangalitza. Bochecha de porco Mangalitza. Funcho. Uma envolvente espuma de foie gras. E, no topo, crispy pork belly com mostarda branca. Sabores fortíssimos! Um momento extraordinário!
Croatian Langostino. Veal tongue. Cochayuyo. Citrus. | O lagostim, delicioso. Num cítrico molho de língua de vaca. Com cebolinho; cochayuyo, uma alga do Chile, frita, croante e salgada; daikon; e buttered-crumbs. Um prato mais leve do que o anterior. E extremamente complexo!
Strawberry. Coconut. Rose. | Três sabores, cada um deles em diversas texturas. E, no topo, folhas de manjericão grego.
Cherry. Apple. Ginger. Chocolate. | No topo, uma bolacha de chocolate crocante. Que esconde ginjas ácidas, cubos de maçã, um gelado de gengibre e uma espuma de baunilha. Excelente!
Banana. Kumquat. Sherry. | Três camadas, cada uma com a sua diferente textura. Na base, um waffle. No meio, gelado de banana com Xerez. E por cima do gelado, no topo da taça, um ácido e completamente líquido molho de sudachi, kumquat e laranja. Brutal! Muito refrescante!
Mignardises | Bombons de chocolate branco, com um cítrico recheio de maracujá. Bombons de chocolate negro, com recheio de sea buckthorn. Massa choux, com recheio de alperce e estragão. Bombons de sésamo e crème brûlée com cassis (blackcurrant ou groselha negra), azeitonas e amaranto. E ainda dois cannelonni de café, com recheio de café e ananás.
Bolachas de chocolate com um toque de yuzu, recordação final…
… do restaurante KONSTANTIN FILIPPOU
Fotografias: Marta Felino e Raul Lufinha
Ver também:
KONSTANTIN FILIPPOU
Dominikanerbastei, 17, Viena, Áustria
Chef Konstantin Filippou
Visita guiada à fábrica da Riberalves na Moita
Visitar a fábrica de transformação de bacalhau da Riberalves, na Moita, é um momento extremamente marcante e enriquecedor. Há claramente um antes e um depois. A partir de agora, a experiência de comer um bom prato de bacalhau nunca mais será a mesma. Vai ter sempre como referência a descoberta e a compreensão do longo processo por que passa o bacalhau de cura tradicional portuguesa, após ser pescado nos mares gélidos do Atlântico Norte, até chegar à nossa mesa.
Com efeito, nesta enorme unidade industrial – a maior do mundo dedicada ao bacalhau, com diversa tecnologia própria e que, à vista desarmada, mais parece uma peixaria gigante – após ser recebido o peixe, o que se faz é “apenas” a escala, salga, cura, lavagem e secagem; prosseguindo-se depois, no caso do “Bacalhau Demolhado Ultracongelado - Pronto a Cozinhar” da Riberalves, ainda para o corte, demolha, ultracongelação, “vidragem” e embalamento daquele prático bacalhau que já não precisa de ser demolhado em casa. Ou seja, apesar de toda a transformação de que esta espécie selvagem é alvo, o bacalhau de cura tradicional portuguesa é um produto 100% natural. Apenas tem sal e tempo, nada mais. Só sal e o tempo da cura.
E, como elemento identitário da nossa gastronomia, o bacalhau de cura tradicional portuguesa merecia igualmente que esta fábrica da Riberalves entrasse no roteiro gastronómico da cidade de Lisboa. Da mesma forma que, por exemplo, para quem vai a Modena à OSTERIA FRANCESCANA de Massimo Bottura, é “obrigatório” visitar uma vinagraria de vinagre balsâmico e uma queijaria de Parmigiano Reggiano. Claro que a Riberalves já recebe inúmeras visitas de estudo das escolas ao longo do ano. E até está a construir um auditório para melhor acolher os seus visitantes. Mas sendo esta visita à fábrica tão impactante para os apreciadores de bacalhau, seria extraordinário se no futuro também estivesse à disposição do público – do público português e dos muitos turistas que nos visitam!
E terminando sempre com uma degustação de bacalhau!
Academia do Bacalhau, junto à fábrica da Riberalves
Sempre presente, o vibrante Viosinho da AdegaMãe
Dory Tinto 2015. E os maravilhosos Pastéis de Bacalhau da D. Lurdes, da AdegaMãe, crocantes por fora e cremosos por dentro – são os mesmos que já tínhamos provado na adega, nos 8 anos da AdegaMãe, mas aí com o envolvente e complexo toque do alho negro do chef André Cruz; aqui, a solo, sem qualquer creme no topo, sobressai ainda mais a crocância e o sabor a bacalhau
Lombos de bacalhau grelhados, com batatas assadas a murro, muito azeite e alho
Administrador Ricardo Alves, o anfitrião, servindo toda a mesa
O bacalhau, muito saboroso e extremamente bem grelhado, ou seja, num ponto perfeito, sem estar queimado e sem ter sequer as marcas da grelha, ficando a lascar e conservando toda a sua untuosidade – de facto, é cada vez mais raro encontrar quem saiba trabalhar bem o fogo
Dory Reserva Branco 2014, gordo e untuoso lote de Viosinho, Alvarinho e Chardonnay em que o que brilha não é a madeira mas a frescura – um excelente parceiro para os pratos de bacalhau!
Chef René Redzepi na cozinha de testes do antigo NOMA (2013)
Num artigo publicado originalmente na edição de novembro de 2019 da Revista de Vinhos e agora disponível também no blog Mesa Marcada, Duarte Calvão começa por fazer o ponto da situação atual da cozinha:
«Parece claro que a cozinha atravessa a nível mundial um momento de estagnação. Depois da revolução da vanguarda espanhola do final dos anos 90, início dos anos 2000, do espalhar da sua influência um pouco por todo o mundo, não só a nível de técnicas, mas sobretudo de modo de encarar a cozinha, nada de muito excitante aconteceu depois. Alguns deixaram-se iludir com a “cozinha nórdica”, que, já passados uns anos, mostra que apenas legou uma maior importância dada aos vegetais e uma pretensa “simplicidade”, além da moda de chefes a vaguear pelos bosques em busca de ervinhas ou de panegíricos à “pureza” dos produtos locais, estejam na selva amazónica, nos mangais asiáticos ou nas florestas escandinavas. De preferência, todos fermentados, maturados ou defumados até à loucura».
Para depois continuar:
«A revolução da vanguarda espanhola, que tinha sido antecedida pela grande revolução da Nouvelle Cuisine de finais dos anos 60 e início dos 70 - centralizada inicialmente em França -, deixou-nos viciados em mudança, em novidade, em tentar descobrir em cada chefe um “revolucionário” que nos iria deslumbrar com as suas criações. Mas tudo indica que nada vai acontecer nos tempos mais próximos. De facto, como já escrevi anteriormente, os chefes parecem mais interessados em aparecer ligados a movimentos ambientais e sociais que lhes trazem “boa imprensa” do que em fazer evoluir a sua cozinha em termos de criatividade. Ou então em abrir segundos ou terceiros (quartos, quintos, o céu é o limite...) restaurantes, mesmo em locais longínquos, seja Singapura, Dubai ou Las Vegas».
E o texto continua num cativante registo – exagerada e provocadoramente caricatural – que merece ser lido até ao fim.
Mas o ponto que nos interessa realçar, e que não pode merecer a nossa concordância, é o facto de Duarte Calvão – mais uma vez – alinhar pelo discurso espanhol de sistemática desvalorização da cozinha que destronou a cozinha espanhola, ou seja, pelo discurso espanhol de sistemática desvalorização da Nova Cozinha Nórdica.
Claro que os espanhóis não gostam dela.
Mas aquilo a que assistimos atualmente a nível mundial não é «um momento de estagnação», é antes uma profunda vitória da Nova Cozinha Nórdica.
Ou, dito de outra forma, a emergência da Nova Cozinha Nórdica, com a sua desarmante simplicidade, levou ao esgotamento da dita vanguarda espanhola.
Sendo a vitória dos nórdicos de tal forma profunda que – passados tantos anos – até parece que não está a acontecer nada.
Mas está!
E muito!
A revolução nórdica foi de tal forma impactante que entretanto – para surpresa dos próprios nórdicos – os seus princípios ultrapassaram o território nórdico… e foram assimilados pelas cozinhas locais não-nórdicas como sendo princípios seus!
Na verdade, o triunfo da Nova Cozinha Nórdica foi tão grande que as outras cozinhas – incluindo a portuguesa (!) – assumiram como seus os princípios nórdicos… e passaram a aplicá-los ao seu próprio território!
Passaram a aplicá-los ao seu próprio território… e assumem-nos como sendo (não nórdicos mas) seus!
E que princípios são esses?
São os de 2004, criados por um conjunto de chefes – liderados pelo duo que tinha aberto no ano anterior um restaurante chamado NOMA (cujo nome junta as iniciais de “Nordisk Mad”, “comida nórdica”) nas docas de Copenhaga, Claus Meyer e René Redzepi – e resumidos num manifesto de dez pontos.
«The Manifesto for the New Nordic Kitchen:
1. To express the purity, freshness, simplicity and ethics that we would like to associate with our region
2. To reflect the different seasons in the meals
3. To base cooking on raw materials which characteristics are especially excellent in our climate, landscape and waters
4. To combine the demand for good taste in food with modern knowledge about health and well-being
5. To promote the Nordic products and the variety of Nordic producers and to disseminate the knowledge of the cultures behind them
6. To promote the welfare of the animals and a sound production in the sea and in the cultivated as well as wild landscapes
7. To develop new possible applications of traditional Nordic food products
8. To combine the best Nordic cooking procedures and culinary traditions with impulses from outside
9. To combine local self-sufficiency with regional exchange of high-quality goods
10. To cooperate with representatives of consumers, other cooking craftsmen, agriculture, fishing industry, food industry, retail and wholesale industry, researchers, teachers, politicians and authorities on this joint project to the benefit and advantage of all in the Nordic countries»
O objetivo era simplesmente o de criar uma identidade gastronómica na Escandinávia, à semelhança do que acontecia nomeadamente no sul da Europa com a cozinha mediterrânica.
Sendo os princípios bastante genéricos – aliás, ao contrário do que muita gente pensa, nem sequer abordam técnicas culinárias. Ou seja, os famosos fermentados, que tanto associamos aos nórdicos, não fazem parte da essência nem estão na génese da Nova Cozinha Nórdica.
De qualquer forma, como é óbvio, estes princípios não nascem de geração espontânea. Tudo é construído a partir do que já existe. Há muito tempo que, por exemplo, Ducasse já falava de “produto” e de “terroir”. E a grande influência terá sido Thomas Keller, com quem René Redzepi trabalhou no THE FRENCH LAUNDRY, em Napa Valley, na Califórnia.
Embora a grande novidade do manifesto da Nova Cozinha Nórdica não tenha sido tanto a de coligir todos estes princípios, foi muito mais a de os aplicar a um território concreto.
E depois, claro, o que deu projeção e massa crítica ao manifesto foi no ano seguinte, em 2005, os ministros do Nordic Council (que engloba a Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega, Suécia, Ilhas Faroé, Gronelândia e Ilhas de Alanda) terem adotado o manifesto como base e ideologia do “New Nordic Food Programme”, canalizando mais de três milhões de euros para programas que concretizaram na prática todos estes princípios.
Ora, como a revolução da Nova Cozinha Nórdica foi um sucesso a nível mundial, o passo seguinte foi os chefes e os empresários replicarem o modelo nórdico nos seus próprios países, transpondo esses princípios e essas práticas para o seu território e adotando-os como seus.
Os princípios estão tão corretos que foram desligados do seu território original… e transpostos para outros territórios não-nórdicos.
De tal forma que hoje em dia, já nem nos damos conta mas, quando falamos em produto, em matéria-prima, em “matéria” (como o chef João Rodrigues lhe gosta de chamar) isso é o triunfo dos nórdicos. Quando falamos de produto português, isso é o triunfo dos nórdicos. As pessoas até podem pensar que estão apenas a falar de produto português – e estão. Mas estão também a replicar o que os nórdicos fizeram com sucesso na Escandinávia. Estão a transpor para a realidade portuguesa o bem-sucedido exemplo da Nova Cozinha Nórdica (de só utilizar produtos locais).
Hoje em dia, já nem nos damos conta mas, quando preferimos os produtos da estação, isso é o triunfo dos nórdicos.
Hoje em dia, já nem nos damos conta mas, quando recusamos o sushi criativo com sabor, por exemplo, a morangos com chantilly e preferimos o sushi tradicional – que sabe mesmo a peixe e ao avinagrado arroz – isso é o triunfo dos nórdicos. Claro que os japoneses sempre o fizeram assim. Mas nós passámos a gostar dele dessa forma porque assimilámos os princípios da Nova Cozinha Nórdica.
Hoje em dia, já nem nos damos conta mas, quando preferimos pães e bolos com fermentações longas, isso é o triunfo dos nórdicos.
Hoje em dia, já nem nos damos conta mas, quando preferimos vinhos naturais, isso é o triunfo dos nórdicos.
Hoje em dia, já nem nos damos conta mas, quando preferimos a cerveja das microcervejeiras, isso é o triunfo dos nórdicos.
Hoje em dia, já nem nos damos conta mas, quando preferimos os queijos e os enchidos artesanais e de pequenos produtores, isso é o triunfo dos nórdicos.
Hoje em dia, já nem nos damos conta mas, quando preferimos uma alimentação saudável, isso é o triunfo dos nórdicos. Os nórdicos levam várias décadas de avanço no desenvolvimento da agricultura e da pecuária biológica.
Hoje em dia, já nem nos damos conta mas, quando preferimos práticas sustentáveis e que combatem o desperdício, isso é o triunfo dos nórdicos.
De facto, a vitória da Nova Cozinha Nórdica foi tão profunda que a revolução de 2004 deu lugar, como agora se diz, a um novo normal, que até parece ter existido desde sempre. E nalguns casos sim, são coisas tão óbvias que é claro que já vêm de trás. Mas foi o impacto da revolução da Nova Cozinha Nórdica que as impôs e, mais importante ainda, que as generalizou às outras cozinhas, um pouco por todo o mundo.
Agora estamos a replicar nos nossos territórios e à nossa medida aquilo que foi feito nos territórios nórdicos após a revolução da Nova Cozinha Nórdica.
Não é “estagnação”.
É uma profunda vitória dos nórdicos!
Fotografia: Marta Felino
À mesa do GEOGRAPHIA com vista para o MNAA
Não é só a localização que liga o restaurante de viagens GEOGRAPHIA ao vizinho Museu Nacional de Arte Antiga.
Com efeito, para além de ambos partilharem o largo onde se encontra o Chafariz das Janelas Verdes e que tem o nome do primeiro diretor do MNAA (Dr. José de Figueiredo), o GEOGRAPHIA, ao ser um restaurante dedicado aos pratos dos países dos quatro cantos do mundo que falam português, acaba por ser igualmente um prolongamento natural da visita ao museu, pois parte significativa do seu espólio museológico aborda precisamente a temática dos Descobrimentos e do relacionamento dos portugueses com os povos que fomos encontrando ao longo da Expansão.
De tal forma que o GEOGRAPHIA criou um programa especial para as manhãs dos primeiros sábados de cada mês – disponível igualmente de terça a sexta para reservas de grupo – que inclui uma visita ao museu, guiada pela equipa do MNAA, seguida de um almoço no restaurante com pratos dos quatro continentes.
Tendo o ponto de encontro sido o próprio GEOGRAPHIA.
Depois, no MNAA, a visita de dezembro, que correu muitíssimo bem, foi guiada por Leonor Amaral, a qual começou pelo Panorama de Lisboa no século XVIII (pré-terramoto) e depois prosseguiu pela Cruz de D. Sancho I, pela Custódia de Belém, pela Custódia da Bemposta, pelas porcelanas chinesas, pelas peças de marfim do Benim, incluindo um raro saleiro, pelos cofres, pelos Biombos Namban, pelos Painéis de São Vicente, pela Adoração do Magos, de Domingos António de Sequeira, pelo Ecce Homo, pela Baixela da Coroa Portuguesa de D. José I, pelas Tentações de Santo Antão, de Bosch, pelo Arcanjo São Miguel, pelo Presépio dito dos “Marqueses de Belas” e, finalmente, pela Capela das Albertas.
De facto, não há duas visitas guiadas iguais – para além da seleção das peças variar, o olhar e a abordagem de cada guia torna essa visita única e irrepetível.
O que é fundamental – aqui e em todos os museus – é que a visita seja mesmo guiada. Visitar um museu não é só passear pelas peças. Tal como comer não é só levar o garfo à boca – para valer a pena, é essencial perceber o sentido e o significado daquilo que nos está a ser apresentado.
Panorama de Lisboa no século XVIII, antes do terramoto de 1755, obra de José Pinhão de Matos evocativa da despedida de S. Francisco Xavier ao Rei D. João III, antes da sua partida para a Índia, ocorrida em 1541
Trompas de caça ou oliphants. E, à direita, um saleiro: "notável e raro exemplo das peças que chegavam a Lisboa nos séculos XV e XVI, provenientes da costa ocidental africana. Este saleiro, incompleto, é um dos primeiros e raros testemunhos artísticos do encontro de culturas proporcionado pelos Descobrimentos portugueses. Usando modelos europeus, os marfins do Benim distinguem-se pelo atento registo dos portugueses, pormenorizando os seus traços fisionómicos (cabelos compridos, barbas de cortes diversos e narizes afilados). Ao nível da indumentária, no entanto, encontramos a marca da tradição artesanal africana: tanto o vestuário das figuras como o fundo da composição reproduzem padrões têxteis ainda hoje ritualmente fabricados nos teares da atual Nigéria”
Custódia de Belém: “A mais célebre obra da ourivesaria portuguesa, pelo seu mérito artístico e pelo seu significado histórico. Mandada lavrar pelo Rei D. Manuel I para o Mosteiro de Santa Maria de Belém (Jerónimos), a Custódia de Belém é atribuível ao ourives e dramaturgo Gil Vicente. Foi realizada com o ouro do tributo do Régulo de Quilôa (na atual Tanzânia), em sinal de vassalagem à coroa de Portugal, trazido por Vasco da Gama no regresso da sua segunda viagem à Índia, em 1503, é um bom exemplo do gosto por peças concebidas como microarquiteturas no gótico final. Destinada a guardar e expor à veneração dos fiéis a hóstia consagrada, apresenta, ao centro, os doze apóstolos ajoelhados, sobre eles pairando uma pomba oscilante, em ouro esmaltado a branco, símbolo do Espírito Santo, e, no plano superior, a figura de Deus Pai, que sustenta o globo do Universo, materializando-se deste modo, no sentido ascensional, a representação da Santíssima Trindade. As esferas armilares, divisas do Rei D. Manuel I, que definem o nó, como que a unir dois mundos (o terreno, que se espraia na base, e o sobrenatural, que se eleva na estrutura superior), surgem como a consagração máxima do poder régio nesse momento histórico da expansão oceânica, confirmando o espírito da empresa do Rei Venturoso”
Biombos Namban: “A chegada dos portugueses ao Japão, em 1543, originou um intercâmbio comercial e cultural que ficou assinalado nestes dois pares de biombos: a curiosidade e o ambiente festivo pela chegada do barco negro dos namban jin (os bárbaros do sul, como eram designados os portugueses), ao porto de Nagasáqui. A minúcia do registo das naus, a descrição das suas valiosas cargas, a atenção dada aos comerciantes portugueses e aos missionários jesuítas que os acompanhavam tornam estas peças um documento histórico e visual ímpar sobre as relações entre Portugal e o Japão”
Painéis de São Vicente (c. 1470): “Obra de enorme importância simbólica na cultura portuguesa e singular ‘retrato coletivo’ na história da pintura europeia. As seis pinturas atribuídas a Nuno Gonçalves apresentam um agrupamento de 58 personagens em torno da dupla figuração de São Vicente. Uma solene e monumental assembleia representativa da Corte e de vários estratos da sociedade portuguesa da época, em ato de veneração ao patrono e inspirador da expansão militar quatrocentista no Magrebe. Estas figuras, em volumes claramente afirmados, tão caracterizadas pela concentração expressiva dos rostos e atitudes quanto pela requintada definição pictórica dos trajes e adereços, parecem aliar, nesta encenação cerimonial, o intuito de uma evocação narrativa a uma visão contemplativa. Embora permaneça problemático o pleno entendimento da intenção e significado da obra, crê-se que o autor das tábuas é o pintor régio de D. Afonso V, Nuno Gonçalves, e que estariam originalmente integradas no retábulo de São Vicente da capela-mor da Sé de Lisboa”
Arcanjo São Miguel (1.º plano) e o Presépio dito dos “Marqueses de Belas” (ao fundo)
Capela das Albertas
Adoração dos Magos, de Domingos António de Sequeira (1828): “No final da sua vida, Sequeira regressou a Roma, onde se dedicou a uma notável série de quatro pinturas religiosas em que esta ‘Adoração dos Magos’ se insere. Constituem, todas, um verdadeiro testamento artístico, em que se expressam não apenas as suas preocupações fundamentais sobre a cor, a luz e a forma, mas também a sua busca de uma síntese entre a tradição clássica e o romantismo. Notável pela prodigiosa modelação das figuras e da luz e pela estrutura da composição, esta é talvez a mais conseguida pintura de toda a série”
Terminada a visita guiada ao Museu Nacional de Arte Antiga, regressou-se igualmente a pé ao GEOGRAPHIA.
Para um almoço que continuou à mesa a história das viagens dos portugueses pelos quatro cantos do mundo.
A entrada principal do restaurante: “o GEOGRAPHIA homenageia a riqueza da ‘gastronomia que fala português’, nomeadamente o seu caráter global. Na verdade, a cozinha portuguesa foi uma das primeiras cozinhas de fusão, um produto das influências que os portugueses trouxeram dos ‘mundos’ onde ao longo dos séculos estiveram presentes, fossem essas ao nível dos ingredientes ou das técnicas culinárias. Da mesma forma, a cozinha dos países que falam português foi também influenciada pela cozinha portuguesa, tendo pratos que fazem a fusão das culturas, tradições e ingredientes locais com os que os portugueses lá deixaram”
Rinoceronte, o símbolo do restaurante GEOGRAPHIA: “O rinoceronte que escolhemos como nossa imagem simboliza o cruzamento de culturas de expressão portuguesa que inspira o GEOGRAPHIA. É um desenho de Albrecht Dürer do animal, ao qual deram o nome Ulisses, que foi oferecido pelo Sultão do Gujarat ao Governador da Índia portuguesa, Afonso de Albuquerque, que o enviou depois ao Rei Dom Manuel I, onde chegou em maio de 1515. Desde a era Romana que não se via um rinoceronte na Europa. Nessa ocasião o rei decidiu testar a tese de Plínio, o ancião, que descreveu uma animosidade natural [entre] rinocerontes e elefantes, e organizou uma luta entre o recém-chegado animal e um dos elefantes da sua coleção. Relatos da época dizem que o rinoceronte avançou devagar em direção ao elefante, que assustado com o animal e com a multidão barulhenta que testemunhava o espetáculo, fugiu em pânico antes que um único golpe fosse dado”…
… “No final do ano, o Rei enviou o animal como um presente para o Papa Leão X em Roma. Dom Manuel queria agradar ao Papa, para manter as concessões papais de posse exclusiva das novas terras que [as] suas forças navais estavam explorando no Extremo Oriente. O animal nunca chegou a Roma, tendo-se afogado quando o navio se afundou na costa da Itália. A sua carcaça foi recuperada e posteriormente empalhada para ser oferecida ao Papa”
“O GEOGRAPHIA homenageia a riqueza da ‘gastronomia que fala português’, nomeadamente o seu caráter global. Na verdade, a cozinha portuguesa foi uma das primeiras cozinhas de fusão, um produto das influências que os portugueses trouxeram dos ‘mundos’ onde ao longo dos séculos estiveram presentes, fossem essas ao nível dos ingredientes ou das técnicas culinárias. Da mesma forma, a cozinha dos países que falam português foi também influenciada pela cozinha portuguesa, tendo pratos que fazem a fusão das culturas, tradições e ingredientes locais com os que os portugueses lá deixaram”
Couvert: pão, manteiga e mandioca frita (BRASIL)
Bolinhos de feijoada (BRASIL) com compota de pimentos no topo / Dim Sums de minchi (MACAU) com molho de soja e mel
Caril de camarão à Goesa com arroz de coco (GOA)
Escondidinho de puré de mandioca e leite de coco com carne de sol e queijo catupiry caseiro (BRASIL)
Melhor pão de ló do Universo (PORTUGAL) com coulis de frutos vermelhos
Mousse de chocolate de São Tomé com o seu salame e com café em pó no prato (SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE)
Café “GEOGRAPHIA”, com grãos vindos de TIMOR, SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE, CABO VERDE, BRASIL (Arábica) e ANGOLA (Robusta)
Fotografias: Marta Felino e Raul Lufinha
Ver também:
GEOGRAPHIA
Rua do Conde, 1, Lisboa, Portugal
Anúncio da Bookatable by Michelin (Londres, 2016)
Anunciada esta semana, a nova parceria estratégica internacional do Guia Michelin com o TripAdvisor – ao incluir a venda da Bookatable by Michelin ao TheFork – constitui uma importante alteração da estratégia seguida pela multinacional francesa nos últimos anos.
Pelo menos, parcialmente.
Com efeito, desde 2013 que a Michelin vinha desenvolvendo uma parceria com a Bookatable, uma empresa de reservas online de restaurantes sedeada em Londres, que culminou depois, em 2016, na sua aquisição por parte da Michelin.
Uma aquisição que permitiu, então, à Michelin anunciar que se tornava o líder europeu do sector de reservas online de restaurantes!
Mas que trouxe também graves problemas de credibilidade e reputação à Michelin. Com feito, a partir do momento em que se tornou dona de uma empresa de reservas de restaurantes, a Michelin, que sempre tentou mostrar publicamente uma imagem de independência perante os restaurantes, passou a ter um interesse financeiro direto nas reservas – ou seja, o facto de a Michelin dar mais estrelas (que trazem mais clientes e mais reservas aos restaurantes) fazia a Michelin ganhar mais dinheiro; e o de a Michelin retirar estrelas aos restaurantes seus clientes, fazia a Michelin perder dinheiro…
De qualquer forma, já em 2018, a Michelin aprofundou essa estratégia e avançou igualmente para o negócio das reservas online de hotéis, tendo adquirido a Tablet Hotels, que agora é “uma experiência Michelin”.
Entretanto, nesta primeira semana de dezembro de 2019, a Michelin anuncia à escala mundial uma nova parceria com uma outra plataforma de reservas online de restaurantes – o TheFork, detido pelo TripAdvisor.
Porém, agora o negócio é de sentido inverso – a Michelin já não compra, vende!
A lógica continua a ser a que foi anunciada em 2013 e 2016 – a de migrar o guia para o digital e permitir que quem o consulte possa fazer logo a reserva sem ter que mudar de página.
Todavia, enquanto em 2016, para atingir esse fim, comprou a Bookatable, agora em 2019, para atingir esse mesmo fim, vendeu a Bookatable!
Uma enorme mudança estratégica… que parece fazer todo o sentido!
Pelo menos, permite à Michelin tornar um pouco mais coerente o seu discurso oficial.
Nada tendo sido dito, no entanto, quanto ao destino dado ou a dar ao negócio das reservas online de hotéis.
Será que a Michelin vai continuar com a estratégia de vender online dormidas em hotéis?
Será que a Michelin vai continuar com a estratégia de vender online dormidas em hotéis (por exemplo, The NoMad Hotel) cujos restaurantes (por exemplo, o excelente NoMad) distingue com estrela Michelin?
Claro que a Michelin diz que os pagamentos, quando efetuados através da sua plataforma, são feitos diretamente aos hotéis, não cobrando sequer qualquer taxa ou comissão ao cliente final.
Mas o ponto não é esse.
A questão é a independência que a Michelin terá quando atribui e retira estrelas... aos seus próprios clientes!
Anúncio da Bookatable by Michelin (Londres, 2016)
Para o TheFork, que há uns anos já tinha adquirido a portuguesa BestTables, a compra da Bookatable possibilita a expansão para mais cinco importantes países (Reino Unido, Alemanha, Áustria, Finlândia e Noruega) sendo um grande passo na sua estratégia de consolidação de novos mercados, rumo ao domínio global.
Tendo agora dois grandes desafios.
Um, é conseguir integrar as marcas regionais sob a marca única TheFork – não apenas a recém-adquirida Bookatable mas também marcas mais antigas como LaFourchette (França e Suíça) e ElTenedor (Espanha), à semelhança, aliás, do que fez com a Restorando da América Latina, adquirida este ano e que já opera como TheFork.
O outro grande desafio do TheFork é entrar no mercado dos Estados Unidos. Claro que a então Bookatable tinha uma parceria com a American Express, que detém o Resy. Mas atendendo a que o modelo de expansão do TheFork tem sido o da aquisição dos principais players de cada novo mercado onde entra, não será surpresa se o TheFork, empresa do TripAdvisor, avançar entretanto para uma grande compra nos EUA.
Fotografias: Bookatable by Michelin
Chef Tanka Sapkota...
... e a trufa branca de Alba
Com o seu inebriante perfume, a trufa branca de Alba, no Piemonte, é a mais rara e exclusiva das iguarias italianas!
Sendo já uma tradição o COME PRIMA, restaurante italiano do Chef Tanka Sapkota, em Lisboa, dedicar-lhe uma temporada, com pratos únicos!
Este ano, decorre até 7 de dezembro – apenas ao jantar e mediante reserva.
Uova biologiche cotto 64 ºC
Quinta dos Carvalhais Reserva Dão Branco 2017
Tajarin al burro
Quinta dos Carvalhais Reserva Dão Tinto 2016
Zabaglione
Grappa
COME PRIMA, nesta altura do ano com o perfume da trufa branca espalhado por toda a sala
Fotografias: Marta Felino e Raul Lufinha
Ver também:
COME PRIMA
Rua do Olival, 256, Lisboa, Portugal
Chef Tanka Sapkota
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.